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Incrementar o uso da Língua Portuguesa

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Localização: Carnaxide, Lisboa, Portugal

sábado, janeiro 21, 2006

A Primeira Reflexão

É, manifestamente, uma apreciação intemporal do nosso país e do nosso povo. Arriscaria afirmar que essa intemporalidade se foi constituindo, ao longo do processo histórico, como o alicerce principal para o pobre povo e para a sua desgraçada iletrícia. Dentre as características da Lusitana estirpe academicamente classificada como "o povo", ressalta inevitavelmente o apurado sentido de crítica social e política. A crítica social espraia-se desde o corte na farpela do vizinho do lado até domínios bem mais vastos, que, sobretudo na imprensa, visam atingir toda uma sociedade. É perceptível uma constante nessa actividades críticas: vê-se claramente o que está mal. E em regra, fica-se por aí. Com um encolher de ombros, ou um esgar amargo. Porque "o povo" vê e sente o que está mal - mas não lhe compete a ele mudar as coisas. Para isso, há os outros, a gente da capital, os letrados, os senhores doutores e senhores engenheiros, prudentemente acolitados por uma consideravel horda de outros senhores entendidos em leis. Estes últimos reputados peritos na montagem, implementação e manutenção de clivagens sociais. Para esta dramática clivagem subliminar, o 25 de Abril revelou-se de todo impotente. Tanto quanto me foi dado viver o processo, por volta do 25 de Novembro já se anunciavam no horizonte as cores ambíguas de uma marcha à ré. E daí, foi um passo para o re-escalonamento da sociedade Portuguesa: a nova burguesia emergente do processo tratou pressurosamente da construção dos novos "degraus sociais" - e para situações de especial melindre, foi mesmo criada legislação de embraiagem entre quem convive com os núcleos do poder e quem existe longe deles. Veja-se, em tal relação, o descalabro do sistema nacional de ensino. Um ensino regular, cuidado e bem controlado pelo Estado, constituiria o maior remédio para a tal iletrícia castradora do povo, os seus efeitos atenuariam eficazmente as diferenças adquiridas em razão do nascimento e das carências materiais familiares. A criança e o jovem teriam, com eles e ao longo do seu percurso pedagógico, atenção, empenho e cuidado por parte do Estado - o caminho certo para se poder almejar um melhor futuro, com melhores cidadãos. Mas não. Não foi isso que vimos, desde os dias que se seguiram àquela promissora manhã de Abril. O que vimos foi o subtil, mas determinado abandonar das rédeas do ensino. Repito, subtil mas determinado. Na sombra, trabalhou-se no sentido de, sem notoriedade mas com eficácia, aprofundar ainda mais o fosso entre "o povo" e a classe orbitadora do poder. Convenhamos em que esta iletrícia tem mantido muitas dinastias de governantes à tona d'água durante muito mais tempo do que eles conseguiriam manter-se, se tivessem na margem, a julgá-los, um povo sem aspas, um povo liberto e iluminado pela luz do conhecimento - não necessariamente um conhecimento académico, tantas vezes castrante de vôos arrojados, mas um conhecimento escolar sólido, prático e duradouro. Diria, um conhecimento anti-aldrabões. Em qualquer café ou bar de bairro se poderá constatar o que acima se deixou. As conversas (...ou os monólogos na falta de interlocutor fiável), apenas afloram as novidades políticas, para de imediato resvalarem, sem retorno, para a gravidade anunciada da inflamação do menisco de um qualquer avançado-centro, ou para as desastrosas sequelas de uma blenorragia mal curada de um guarda-redes. E então sim, haverá calorosos e aprofundados comentários até ao final da tarde. O fosso foi reposto, tornaram-no maior, multiplicaram as armadilhas e os obstáculos, "o povo" mantem-se no lugar que lhe compete e conserva o estigma das aspas. Posto isto, vamos a mais umas eleiçõezitas. Não é para lugar de importância, mas que importa? "O povo" já foi injectado com a adrenalina bastante para o acto. E, claro... mais vale "o povo" votar para tudo ficar na mesma, do que "o povo" decidir que é chegado o momento de não votar, de sacudir as aspas e voltar revolucionariamente a uma primeira forma. Só que, para isso, "o povo" precisava de descontentes entre os orbitadores do poder, em número e qualidade bastantes para acumular carga e acender o rastilho. E desses, temo-o, já não os há... A única diferença que lobrigo entre as burguesias das épocas Salazarista e Caetanista e a de agora é que as outras se presumiam de élite, tomaram o Paraíso como certo e cairam em desleixo para com a suas estruturas de apoio. Esta nova burguesia arrivista sabe bem que é nova,sabe que é arrivista, sabe que é inimitavelmente ignorante e despudorada e sabe que o que interessa é aderir e prosseguir com o sistema vigente. Porque só o sistema vigente os mantem de carro certo e casa posta, com ordenado e adicionais e com portas e janelas abertas para comer o que mais vier "do povo" que afirmam servir. Posto isto, "meu povo",.. vamos a votar e a voltar para casa de seguida. Para ver que novo folhetim presidencial o futuro lhes reserva. Não tenham receio. Podem estar certos de que ficará tudo na mesma. - - - Victor Mota da Silva