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Incrementar o uso da Língua Portuguesa

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Localização: Carnaxide, Lisboa, Portugal

sábado, dezembro 17, 2005

Português - Uma Língua De Charneira

 
Uma «língua de charneira»
 
Cada língua engloba um conjunto de «linguagens especiais» – dos ofícios, das artes, das ciências, das tecnologias, das religiões e dos vários grupos profissionais, culturais, sociais, económicos que usam cada uma delas. Estas linguagens especiais, como lhes chama Ivo Castro, professor de Linguística Histórica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, desenvolvem-se para responder a pressões de ordem social, económica ou cultural, alimentando-se muitas vezes da importação de palavras de outros idiomas.
 
No caso português, os núcleos de vocabulário especializado e as diferentes construções gramaticais que nele coabitam são herdeiros, e testemunhos fundamentais, dos grandes momentos de contacto multicultural que marcaram a história do país e da língua que aqui se desenvolveu.
 
Como é sabido, a base estrutural do léxico da nossa língua é latina, mas as suas raízes são anteriores ao domínio do império romano. «Sobre essa base formaram-se núcleos de linguagens especiais, cada um com a sua área semântica, a sua história, a sua época e os seus processos de entrada. Alguns surgiram a partir de material linguístico que já era português, outros de importações do latim, do francês, do espanhol e do italiano, principalmente», resume Ivo Castro, o nosso guia nesta viagem pela história de um idioma com «vocação de língua de intermediação».
 
Há, portanto, palavras que usamos hoje de línguas que não conhecemos, faladas pelos povos que habitavam o território antes da chegada do latim e cujo vocabulário ficou parcialmente conservado à medida que surgia o português. Termos como «cabana», ou «cama», designavam objectos específicos do mundo rural desses antepassados dos portugueses que não tinham equivalente na língua latina.
 
A par deles, e em proporção maior, temos vocábulos latinos pertencentes a áreas semânticas essenciais da vida quotidiana, como a alimentação (panis), a família (pater, mater) ou a religião (ecclesia – termo já importado do grego, que fornecera grande parte da linguagem do cristianismo às línguas da Europa). Mas o latim não se limitou a dar ao português a sua base lexical de arranque, nos séculos V, VI, VII da nossa era. Durante a Idade Média e o Renascimento, continuou a ser uma das principais fontes de termos técnicos do direito, das relações internacionais, da literatura.
 
Um bom exemplo de um vocábulo latino que é importado em diferentes momentos encontra-se nos resultados portugueses da palavra plano (superfície rasa e direita). Fazia parte do latim inicial do território e sofreu as evoluções fonéticas regulares que contribuíram para a primeira autonomização da língua portuguesa. Graças a elas, e por um complicado percurso, transformou-se na palavra chão. Tornou a entrar como termo técnico da geometria no século XIV, dessa vez escapando a transformações fonéticas, precisamente por pertencer a uma linguagem especial que se lia e escrevia, mas se falava pouco. Entretanto, uma terceira manifestação do termo – prão – evoluiria para porão. No séc. XVI, quando a influência do espanhol sobre a nossa língua literária estava no auge, aceitámos o adjectivo llano, graficamente aportuguesado para lhano, no sentido de «singelo, franco, directo». E mais tarde, quando a arte musical se exprimia em italiano por toda a Europa, recebemos esse instrumento de teclas que ficou conhecido por piano. «Podemos classificar piano como um italianismo ao lado de ópera, clarinete, ou minuete. Dois terços do léxico da música e das artes do som chegaram até nós no período clássico do italiano. Temos aí uma linguagem especializada em resposta a uma pressão cultural muito forte.»
 
Outros episódios do género sucederam a partir de línguas não românicas, como o inglês recentemente e antes o árabe, o qual também se introduziu em dois grandes momentos de contacto. Primeiro, o da ocupação muçulmana, desde o século VIII até aos séculos XII e XIII, donde resultou a maioria dos topónimos (Alfama, Albufeira), vocabulário de organização territorial e económica (aldeia e alfândega), da alimentação (arroz, cenoura, açúcar, alface, azeite, atum ou javali) das medidas (almude, taleiga ou arroba), do universo militar (alferes, arraial, alcáçova), de profissões (alfaiate e almocreve). Tudo isto trouxeram os árabes para a Península Ibérica.
 
Mais tarde, nas praças portuguesas do Norte de África e no Oriente, o árabe foi a língua comercial e a entrada de vocabulário é, depois da Reconquista cristã, mais internacional e especializada. «Hoje, quando se fazem bem as contas, descobre-se que do século XV ao século XVI entraram mais arabismos no português do que na fase de ocupação.»
 
As duas grandes fontes de importação linguística do português foram, até ao século XVII, o latim e o espanhol, e entre o século XVIII e princípios do século XX o francês, «Língua de Cultura» de referência até ao dia em que aparecem os Beatles. «Desde o fim da segunda grande guerra que o inglês vinha tomando o lugar de língua dominante, com o crescente protagonismo dos EUA enquanto potência internacional, mas no sul da Europa esse domínio acontece a partir dos anos 60, por via das artes e sobretudo da música.»
 
O que dá, afinal, unidade a esta manta de retalhos que é a língua? Os mecanismos reguladores como a escola, as gramáticas, os dicionários, os prontuários ortográficos. «Tudo isto diminui os factores de variabilidade e dá a ilusão de homogeneidade e o carácter de unidade a uma língua», explica Ivo Castro. «De facto, as línguas são conjuntos de unidades muito variáveis entre si que estão constantemente a mudar. Por isso é que aguentam entradas e saídas de palavras, regras e maneiras de pronunciar, mudanças a que nos vamos afeiçoando, julgando que estamos sempre a falar da mesma maneira. Nos anos 30 havia muito mais anglicismos no futebol, por exemplo. À medida que se foi popularizando e nacionalizando foi-se aportuguesando»
 
Estes mecanismos normalizadores, sem os quais a sociedade não poderia viver, têm o inconveniente de ser «reaccionários», de reagir mal à inovação. «As resistências dos puristas às infiltrações do inglês, sabemos que há 150 anos eram igualmente violentas em relação às infiltrações do francês e que antes tinham sido às do espanhol.» Mas foi a permeabilidade às línguas estrangeiras, decorrente da nossa posição periférica, que transformou o português numa «língua complexa e potencialmente de charneira, muito mais complicada do que o vizinho espanhol», e habilitou os portugueses a falar com facilidade outros idiomas, mais do que os brasileiros, cuja variante tem menos nuances gramaticais e fonéticas.
 
Na opinião de Ivo Castro, várias políticas da língua terão de ser assumidas. «Em África, onde todos os dias nascem milhares de falantes de português, Portugal tem de participar na formação de elites de ensinantes que transformem esta língua materna em Língua de Cultura. Em relação ao Brasil, a continuidade da língua está garantida e segue caminhos autónomos, com os quais temos de manter relações fraternas. Aos 5,5 milhões de portugueses que vivem fora do país temos de proporcionar uma estreita ligação com a língua mãe. Cá dentro temos de definir rapidamente boas políticas de ensino para nacionais e imigrantes. Finalmente, Portugal deve investir no ensino do Português Língua não Materna em contextos de interesse pelo espaço económico dos países lusófonos – faz todo o sentido ensinar português a um empresário chinês que queira investir em África ou no Brasil, porque quem fala português europeu fala imediatamente português do Brasil e o inverso não é verdade.»
 
 
 
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1 Comments:

Blogger Desambientado said...

Excelente blog.

Parabéns aos autores.

1/12/2006 10:07:00 da manhã  

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