Autobiografia
Nasceu em S.Martinho de Anta, Trás-os-Montes.
Casado.
Altura : 1,77 m.
Magro como um espeto.
Perfil de contrabandista espanhol.
Médico.
Anda que se desunha.
Fuma, sobretudo quando está com amigos ou quando escreve.
Gostava de ser pintor e chegou mesmo a pintar um auto-retrato, que atirou ao mar, no Portinho da Arrábida.
Vai muito ao cinema e ri-se perdidamente com os desenhos animados.
Só ajudou uma vez a mulher a enxugar a louça, e há dez anos que lhe mata o bicho do ouvido com essa avaria.
Na sua biblioteca, pequena porque não cabem mais livros na exígua casa da Estrada da Beira, em Coimbra, onde mora, contém o essencial das principais leituras do mundo.
Em pintura moderna admira Picasso, Siqueiros, Orozco e Portinari.
Tira o chapéu a Euclides da Cunha e Machado de Assis.
Gosta de música, particularmente de Bach.
Mas do que gosta a valer, é de calcorrear os montes do seu Douro transmontano e os pauis dos campos do Mondego à caça de perdizes e de narcejas.
Nunca fez uma tratantice a um colega de letras. Em compensação, têm-lhe feito muitas.
Entre os autores que venera : Dostoievski, Proust, Cervantes, Unamuno e Melville.
É contra os caçadores de autógrafos, contra os álbuns, contra a publicidade.
O contra é mesmo o seu forte.
Gosta da solidão, e preza muito quem lha respeita.
Não acredita em fantasmas.
Anda sempre a morrer, e não há ninguém que gaste mais energia.
Se pudesse recomeçar a vida gostaria de ser mais poeta ainda.
Um dos seus títulos de glória é ter passado a adolescência no Brasil (Leopoldina Minas).
Vive pelos nervos.
Não há ninguém mais amigo dos seus amigos, e tão mal compreendido por eles.
A arte para ele não é uma ambição : é um destino.
A sua terra é para ele como para uma planta : sítio de deitar raízes.
Tinha 20 anos quando escreveu o primeiro livro, que se chama Ansiedade.
Poetas brasileiros que admira : Manuel Bandeira, Cecília, Ledo Iva.
Romancistas brasileiros que admira : Graciliano, Lins do Rego e Jorge Amado.
Gosta dos deuses pagãos, a quem tem cantado nas suas Odes.
Mas não conta com eles para o dia da morte, que teme como uma noite sem madrugada.
............
in "Miguel Torga - Fotobiografia"
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home