A falar (Português) é que a gente se entende...

Incrementar o uso da Língua Portuguesa

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Localização: Carnaxide, Lisboa, Portugal

sábado, agosto 13, 2005

Estatuto Internacional Das Línguas Castelhana, Portuguesa e Francesa

O francês, o castelhano e o português são três línguas do grupo das românicas que, desde sua formação na Gália e na Ibéria, tiveram seus limites demarcados por políticas externas. A história se faz e se refaz. E, no centro desta, as línguas, que parecem somente pertencer a quem as fala, movimentam-se - como instrumentos políticos - para o centro dos interesses dos negócios internacionais. Sob o prisma da oficialidade, são as leis que promulgam o estatuto nacional e internacional de cada língua; a motivação, porém, é a crença de que Língua é Poder. Nesse contexto, as associações, denominadas francofonia, hispanofonia e lusofonia, não apresentam a eqüidade suficiente na mesa de negociação. Então, questiona-se: O que há de sobra em algumas - fonias? O que falta em outras? De início, preciso dizer que tenho dúvidas se a discussão acerca do tema deve seguir sob a ótica do estatuto jurídico de que o francês, o espanhol e o português são línguas suficientes no desempenho de suas funções, como línguas veiculares internacionais (cf. Calvet, 2002:204) [1], ou se deve seguir sob a ótica do status social e lingüístico de que essas línguas funcionam na comunicação internacional quando o inglês não é a língua obrigatória na mesa de negociação. Em trabalhos anteriores, chamo atenção para o fato de que pensamos Língua como um sistema de signos organizados, que serve à comunicação oral e escrita. Mais do que isso, no entanto, uma língua é foco de normas comumente aceitas oriundas de diversos fatores. Destes ressalvem-se pelo menos três. O primeiro são as criações literárias que difundem no espaço e fixam no tempo um modo de produzir o pensamento e, consequentemente, de dizer as coisas. Outro são as estruturas políticas que utilizam a língua e, muito especialmente, a língua escrita, no exercício da sua autoridade. E o terceiro é a consciência de coletividade, que preconiza direitos e deveres iguais para todos ao proporcionar a expressão como base da própria identidade. Este ultimo viés merece, no entanto, um olhar mais acurado, à medida que deixa evidente que somente estarão inseridos no plano nacional os indivíduos letrados, alfabetizados, porque estes serão capazes de ler e de conhecer seus direitos como cidadãos. No processo de evolução das estruturas políticas para os Estados Nacionais, os idiomas desempenharam papel decisivo na consolidação e no prestígio de certas línguas, porque estavam acoplados a um projeto de efetiva difusão da consciência nacional. Nesse ponto, Língua, história de língua e história das nações se confundem. Cabe relembrar que o fenômeno de constituição das línguas nacionais românicas se fez durante séculos na Europa. Não bastavam somente critérios políticos para definir língua nacional, mas também fatores econômicos e culturais. A ascensão ao poder de novas classes sociais provocava a implantação de um novo modelo lingüístico a ser seguido, o que fazia com que os dialetos recuassem. No entanto, naquele espaço de alto bilingüismo, muitos dialetos reagiram, ganharam força regional de língua e foram codificados em gramáticas e dicionários. Nesse ponto até valeria a pena rever a história da formação das línguas românicas, pois cada uma estava aparelhada aos fenômenos históricos e sociais da época e, por isso, têm constituições diferentes, porém nosso interesse é mais imediato: o de observar que, neste século XXI, a organização das sociedades ocidentais está centrada em redes homogêneas de comunicação humana iniciada já na velha Europa. É ponto pacífico que as redes de comunicação resultam da integração que os países promovem entre si para desenvolverem, de modo recíproco, a unidade política e econômica. O modelo internacional de integração dos países em bloco, todos sabemos, é o Mercado. Assim sendo, a internacionalização das trocas políticas e econômicas é feita por meio das línguas oficializadas no âmbito dos Estados, em decorrênca do conceito de supranacionalidade, conceito este gerado no plano teórico das decisões. Parte-se do fato conhecido de que todo Estado-Nação possui língua ou línguas oficializadas. No plano prático, todavia, compete aos Estados regularizar suas políticas lingüísticas nacionais, de acordo com a história dos fatos já ocorridos e, ao mesmo tempo, rever estes fatos à luz da nova ordem mundial. Compete, também, estabelecer princípios de harmonização intralíngua, com base em todas as variedades para que a comunicação interlingüística resulte bem-sucedida. Compete, ainda, aos Estados, em nome do transnacionalismo e do interlingüismo, criarem uma firme política de ensino e de aprendizagem da(s) língua(s) em causa, a fim de auferir-lhe(s) prestígio e de manter identidades. Como princípio de ética, qualquer política de línguas deverá trabalhar a unidade e a diversidade. Não se trata de pólos de contradição, mas de eixos de transição. A unidade é uma razão do Estado e a diversidade ou variedade é a matéria lingüística própria da comunidade, pois reflete as linguagens verbais, por meio das quais os indivíduos se comunicam. Para compreender como se desenrola o discurso social, precisamos saber como a língua e as linguagens representam nossas experiências e, para isso, é preciso refletir sobre a maneira como as linguagens realizam as ações de interação em espaços concretos. Já se disse que língua e poder caminham juntos, pois as sociedades se organizam sob políticas e a(s) políticas lingüísticas ocupam um lugar de destaque, apesar de, à primeira vista parecerem secundárias. Uma demonstração disso são os movimentos nacionalistas que fazem ressurgir línguas minoritárias, faladas por pequenos contingentes populacionais. A oficialização das línguas é um exemplo claro de poder, pois não existe território político que não esteja sob jurisdição lingüística. O Timor Leste figura como um caso excelente para ilustrar que a língua oficial de um território não depende somente da vontade daqueles que a usam, mas de decisões internacionais que colocam o idioma no topo da supranacionalidade. No território geográfico concreto, uma ou várias línguas são faladas correntemente; no território jurídico pode existir uma ou mais de uma língua oficial que funciona como Língua(s) do Estado político. O Estado pode ser bilíngüe e, assim, as línguas oficiais se localizam no plano horizontal, como é o caso do Canadá, com o inglês e o francês; o Estado pode reconhecer línguas provinciais e as comunidades é que são oficialmente bilíngües, como é o caso da Espanha. O Estado pode ser oficialmente monolíngüe, mesmo que haja no território comunidades que falam suas línguas maternas, como ocorre no Brasil. Em grande parte das vezes, as comunidades procuram seus direitos lingüísticos por entender que não podem ficar à margem do poder; esta situação se constata no Projeto de Lei da Câmara Federal do Brasil que oficializou a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS - a língua dos surdos. No transcurso dos últimos anos, pôde-se observar que, em nível mundial, a conscientização diante do fenômeno lingüístico derivou-se em, pelo menos, duas direções. Uma, que advoga a posição universalista diante de um sistema lingüístico, e outra, que reconhece a diversidade, resultante da interação lingüística entre povos. A primeira, de caráter homogeneizador, ressalta a unidade lingüística como fenômeno de preservação; a segunda argumenta que a unidade se fortalece na diversidade e proporciona que as singularidades de cada comunidade se sobressaiam. No papel de idioma supranacional, a língua portuguesa é oficial e tem seu estatuto muito bem delimitado em países que pertencem a continentes distantes e que conservam suas diferenças. Assim, no espaço da diversidade, Brasil e África, ao mesmo tempo em que foram receptores da cultura portuguesa, resguardaram e desenvolveram suas culturas próprias, e puderam, em virtude disso, deixar as marcas lingüísticas e os saberes em sociedades com as quais mantiveram e mantêm contatos. Agora, peço licença para deixar à competência das autoridades lingüísticas e políticas que aqui se encontram a posição do francês e do espanhol no cenário da intercomunicação. Afinal, está em curso um importante projeto, denominado Três espaços lingüísticos ante os desafios da mundialização, que se ocupa de discutir a diversidade lingüística e cultural dos povos e de encontrar respostas para causas comuns. Porém, algumas reflexões podem ser aqui alinhavadas, tendo por base o assunto sobre o qual me cabe falar: Estatuto internacional das línguas castelhana, portuguesa e francesa. As questões em causa são: estatuto internacional quer dizer i) o lugar que estas línguas ocupam no espaço da diversidade lingüística mundial? ii) a importância que possuem nos cenários políticos de grandes decisões? iii) a quantidade de falantes que cada uma possui nas diversas funções - identitária, nacional e veicular internacional? (cf. Calvet, op. cit.) iv) a presença dessas línguas nos organismos internacionais na função de língua de trabalho? Outras questões poderiam ser aqui apresentadas, porém a literatura sobre políticas língüísticas é rica na enumeração das dúvidas e de algumas respostas. O que se gostaria de afirmar é que o francês, o espanhol e o português têm importante presença no cenário internacional, porém possuem uma distribuição assimétrica no panorama da intercomunicação. Como critério para a discussão, servem os conceitos de francofonia, de hispanofonia e, principalmente, de lusofonia. É sabido que a Francofonia é considerada uma organização concreta de 51 estados e países. No âmbito desta Organização Internacional identifica-se uma política internacional de cooperação ao serviço da educação, da diversidade cultural, da economia e do desenvolvimento, da paz, da democracia, dos direitos do homem, com programas específicos para cada um desses aspectos. A Hispanofonia abarca 19 países, e a Lusofonia, por sua vez, é constituída de 8 países. Observe-se que estamos usando aqui o ponto de vista de Calvet (2002:192) que atribui à expressão com inicial maiúscula a designação de "uma realidade geopolítica, as instâncias francófonas", ao passo que, quando escrita com minúscula, "designa uma realidade sociolingüística, o conjunto dos países nos quais a língua tem um papel importante". (tradução nossa) [2] Agora, transforme-se esse triângulo das - fonias românicas em um quadrilátero, com a inclusão da Commonwealth, que possui 54 países membros. Os números denunciam a realidade. A Commonwealth, um prolongamento do colonialismo britânico, tenta implantar um modelo de poder diplomático e econômico sobre países diversos, quer falem ou não o inglês. A Francofonia, menos centrada na economia, focaliza a cultura, criando diversos organismos de difusão, como os centros culturais e lingüísticos e a TV5, que é a televisão internacional da francofonia. A Hispanofonia se serve do Instituto Cervantes e de uma política de "sala de aula" implantando cursos de língua e de cultura pelo mundo, a Lusofonia procura ter o mesmo planejamento que a Francofonia com o Instituto Camões e a RTPI Internacional, porém e, apesar de tudo, a Lusofonia é insipiente e os instrumentos criados em Portugal não cumprem os objetivos desejados no que se refere ao status da língua portuguesa. Ao estabelecer esse paralelo, verifica-se ainda que, hoje, francofonia (com minúscula inicial) é o conjunto de povos ou de grupos de falantes que utilizam parcial ou totalmente a língua francesa no quotidiano ou nas comunicações, enquanto lusofonia aparece conceituado como um "sistema de comunicação lingüístico e cultural na língua portuguesa e suas variedades lingüísticas, geográficas e sociais, pertencentes a vários povos de que dela é instrumento de expressão materna ou oficial". (Revista da Faculdade de Letras de Lisboa,nº 21/22, 5ª série, p.10). Mais uma vez, constatamos que, nessa concepção, lusofonia (com minúscula) é assimétrica diante de francofonia; a primeira se define por um critério sociolinguistico e a segunda por um critério filol ó gico. Essa distorção lingüística é a base da distorção pol ítica, nos termos que nos interessam. Lusofonia, a nosso ver, é uma abstração que ganha sentido no universo diversificado das nações que falam a língua portuguesa. Por ser uma abstração, requer que se estabeleçam parâmetros de incidência lingüística para que se comprenda até onde, no plano concreto, falar português identifica pertencer a uma comunidade lusófona. Dois pontos de vista dinamizam os conceitos de lusofonia. Um que desliza para a história das descobertas e que, por isso, localiza todos os portos tocados pelos portugueses, nos quais a língua foi disseminada, como espaço de lusofonia. Nestes, os sujeitos são identitários de uma cultura ibérica, que, em maior ou menor grau, formou a cidadania do Estado-Nação. Neste caso, a lusofonia é mais um sentimento do que um fato. O outro ponto de vista considera que os movimentos da língua no tempo, no espaço e na sociedade desenham as relações de fala e de poder lingüístico do português no mundo. Trata-se mais de identidade do que de sentimento. De uma forma ou de outra, identificamos alguns critérios que corroboram o conceito de lusofonia: país que adota a língua portuguesa como língua de comunicação ou como língua franca: país lusófono; comunidade que reúne todos os povos que falam o português, além dos Sete, mais Timor, Goa, Macau: comunidade lusófona; país que tem o português escrito e que expande essa modalidade por todo seu território: lusofonia crescente (o Timor ainda não o é, ou começa a ser); conjunto de países que têm o português como língua oficial, materna ou adotada: comunidade dos países de língua portuguesa (critério lingüístico) e não comunidade lusófona (critério filológico). A expressão lusofonia, relacionada ao critério filológico, é débil quando pretende denominar o conjunto de povos que falam o português, nos diversos continentes - "mundo da lusofonia" - por onde se espalhou. Algumas razões para isso, podem ser apontadas: i) os portugueses entraram em colônias que possuíam línguas (hoje minoritárias) fortemente estabelecidas, como as indígenas, no Brasil, as nacionais africanas, na África, as nacionais asiáticas, na Ásia; ii) grande parte dos portugueses que aportaram nas novas terras eram, à época, pouco letrados, o que possivelmente tenha impedido que implantassem, em suas colônias, casas de cultura que ensinassem a língua e que perpetuassem seus hábitos culturais ao lado dos hábitos locais; iii) as práticas portuguesas locais ficaram relacionadas às atitudes de extermínio; iv) as práticas portuguesas pouco se somaram às locais, pois não havia uma intenção de diversificar, senão de impor a cultura branca. Talvez, atitudes dessa natureza, tenham esfacelado o sentimento e tenham sombreado a concepção de identidade lusófona na América, na África e na Ásia. Daí que, entre nós, um indivíduo luso é "português", um luso-brasileiro é "aquele de origem portuguesa e brasileira", e lusitano é "o natural ou habitante da Lusitânia ou de Portugal" [3] e brasileiro é o natural do Brasil. Por outro lado, não se pode negar que a Língua Portuguesa recortou, no mundo, um espaço lusófono, delimitado pela geolingüística dos Estados-nações que têm o português como língua oficial. Esse conceito de monolingüismo oficial não exclui o de plurilingüismo dos povos de países que possuem línguas nacionais, porém é funcional, porque insere o português em Organizações internacionais. Assim, o português é língua de trabalho da ACP - Países de África, Caribe e Pacífico; da OEI - Organizaç ão dos Estados Iberoamericanos; da OUA - Organização de Unidade Africana; da SADC - Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral; da UEMOA - Uni ão Econômica e Monetária da África Ocidental; é uma das línguas da Uni ão Latina; é oficial da União Européia e do Mercosul. O português é falado como língua materna pela quase totalidade da população de Portugal e do Brasil, e em Angola por uma maioria expressiva. Em Cabo Verde, Guiné-Bissau, e São Tomé e Príncipe, é segunda língua e oficial, mas curiosamente estes países africanos fazem parte da Francofonia. Moçambique, país de língua oficial portuguesa, é membro da Commonwealth. E todos os 5 pa í ses da Á frica que t ê m o portugu ê s como língua oficial, mais Timor Leste (na Àsia), Portugal (na Europa) e Brasil (na América do Sul) são países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). E a CPLP é uma organização, até então carente de recursos financeiros, portanto com baixo poder (de estatuto e de status) e sérias dificuldades de fixar-se no cenário internacional. Como a Lusofonia não conseguiu ainda afirmar-se diante das outras associações internacionais, tem pouco poder de ação e, por isso, tem um peso ainda diminuto no seu estatuto internacional. A CPLP pode ser entendida como um organismo de aproximação de povos que falam o portugu ê s, mas não ainda como uma organização de proteção dos direitos do homem, igualdade para as mulheres, desenvolvimento econômico, comércio justo, proteção do meio-ambiente, apoio a programas culturais, não por falta de compet ê ncia ou estatuto, mas por falta de disciplina e de compromisso com programas de políticas públicas que exigem altas cifras de que essa reunião de países pobres não dispõe. Conclusão Na linha das evidências políticas, cabe dizer que o Brasil é um país Político e de Políticas. A Constituiç ão brasileira de 1988 decreta que o portugu ê s é o idioma oficial e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação a complementa, quando refere o respeito às l ínguas indígenas e à diversidade de falas no plano nacional. Falta ao Brasil, contudo, criar um planejamento coeso que d ê transpar ência às suas políticas p úblicas educacionais e lingü ísticas, por meio das quais sustenta centros de ensino de língua e de cultura no exterior, bem como leitorados e institutos brasileiros com o fim de difundir a língua do Brasil. Falta, ainda, perceber que a Língua é um recurso de fundo econ ômico-financeiro que poderá trazer divisas para o pa ís. Notas [1] CALVET, Louis-Jean. Le marché aux langues . Paris, Plon, 2002 [2] Francophonie, avec une majuscule, désigne une réalité géopolitique , les instances francophones, tandis que francophonie avec une minuscule désigne une réalité sociolinguistique, l'ensemble des pays dans lesquels le français joue un rôle important. [3] Em Novo Aurélio Século XXI . O Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. CD-ROM, 2000
------------------------- Resumo de uma dissertação de Enilde Faulstich - Universidade de Brasília; In Industrias De La Lengua