Entrevista A Dulce Maria Pereira (Secretária Executiva Da CPLP - 2002)
Portal Afro - O que é a CPLP? Quando foi criada e quais são seus objetivos?
Dulce Maria Pereira - A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é uma organização multilateral de que são Estados membros Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, aos quais se juntará muito em breve a República Democrática de Timor-Leste. A CPLP foi criada em 17 de Julho de 1996 e uma das suas principais missões é a cooperação nos domínios econômico, social, cultural, jurídico e técnico-científico entre os países membros. As relações político-diplomáticas e a difusão da língua portuguesa são as outras áreas fundamentais de atuação da CPLP.
Portal Afro - A Língua Portuguesa sobreviverá ou será sufocada pelo Espanhol?
Dulce Maria Pereira - O último relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) afirma claramente que existem cerca de 170 milhões de pessoas cuja língua materna é o português, que a Língua Portuguesa é a sexta língua viva mais falada no mundo e é um dos idiomas em maior expansão no planeta. É a língua de trabalho em 12 organizações internacionais e, na verdade, é utilizada todos os dias por aproximadamente 200 milhões de pessoas. É óbvio que o número de pessoas que falam espanhol - assim como o inglês (cerca de 340 milhões) - é bem mais expressivo do que os que falam português. Mas, na realidade, estas três línguas são, de fato, as que têm melhores condições de expandir o seu número de falantes. Não creio que o espanhol possa sufocar o português ou o inglês. Para a sobrevivência dos idiomas também será fundamental a sua distribuição geográfica. E perceba que cada vez mais, nestes tempos globalizantes, é cada vez mais difícil alguém falar apenas uma língua e ser entendido pelo mundo fora. Estou convencida de que no futuro viveremos num planeta que falará pelo menos três línguas, além da língua materna de cada um. Vale ainda lembrar que o português já representa 3% dos conteúdos da Internet, ocupando o 9º lugar nesse meio de comunicação.
Portal Afro - A CPLP tem poder de interferência na política interna dos países membros?
Dulce Maria Pereira - Não. O papel da CPLP deve ser o que dela esperam os países membros. O Secretariado Executivo procura, portanto, expressar a vontade comum desses países, não desempenhando nenhum papel político independente.
Portal Afro - Qual foi a participação da CPLP no processo de paz em Angola?
Dulce Maria Pereira - A CPLP sempre esteve à disposição dos Estados membros para que sua estrutura e seu foro pudessem ser utilizados para a solução do processo de paz naquele país irmão.
Portal Afro - O que é e o que faz o Instituto Internacional de Língua Portuguesa (ILLP) em Cabo Verde?
Dulce Maria Pereira - O ILLP acaba de ser constituído, devendo a partir de agora trabalhar no sentido da promoção e da divulgação da Língua Portuguesa seguindo uma política que está sendo elaborada com o apoio de todos os Estados membros.
Portal Afro - Em que pé está a economia de Moçambique? Os moçambicanos ainda sofrem os efeitos das enchentes que praticamente devastaram o País?
Dulce Maria Pereira - Moçambique é um País devastado por anos de guerra, que agora começa a recuperar-se. Devemos ressaltar, porém, que, por três anos consecutivos, sua economia apresentou um dos maiores crescimentos no mundo: entre 7% e 9% de incremento do PIB por ano. Trata-se, certamente, de um exemplo no esforço de produtividade que tem alcançado. Mas as dificuldades são muitas e os resultados ainda não têm a visibilidade que seria desejável. A inclemência dos temporais que provocaram enchentes por todo o País, interromperam de forma lamentável esse formidável crescimento. Trata-se, também, de um país que enfrenta uma séria luta contra a pobreza, mas o seu esforço e o investimento para superar certas deficiências no plano social trarão resultados em breve.
Portal Afro - A CPLP acaba de organizar um Festival de Música no Timor-Leste. De onde veio essa idéia e qual o objetivo desse festival?
Dulce Maria Pereira - Foi uma iniciativa da CPLP para abrilhantar as comemorações da Independência do Timor-Leste. A música é a melhor e mais festiva das linguagens universais e um dos mais ricos "recursos" desta magnífica comunidade.
Portal Afro - Qual foi a participação do governo brasileiro nesse festival?
Dulce Pereira - O governo brasileiro mandou artistas e produtores culturais, além de financiar a viagem de artistas de outros países membros da CPLP, sem condições de cobrir esses custos, para garantir essa representatividade no festival. Dessa forma, pudemos conferir um caráter verdadeiramente comunitário ao Festival. Para esse esforço, contei com o decisivo apoio dos Ministérios da Cultura e das Relações Exteriores, pelo que sou muito grata ao Ministro Francisco Weffort e ao Ministro Celso Lafer.
Portal Afro - Aparentemente o governo brasileiro tem forte interesse em fincar pé no Timor-Leste. A CPLP é sua aliada nessa missão?
Dulce Maria Pereira - Naturalmente.
Portal Afro - O festival foi realizado na capital, Díli? Como está a cidade, hoje? Ela já oferece estrutura para a realização de um evento desse porte?
Dulce Maria Pereira - O Festival foi realizado em Taci Tolo, que fica a cerca de 8 kilômetros de Díli, local que foi preparado para oferecer toda a estrutura necessária para a realização do evento.
Portal Afro - Quais são as medidas adotadas pela CPLP para ajudar na reconstrução do Timor-Leste?
Dulce Maria Pereira - Os países da CPLP com maiores recursos já os estão disponibilizando, espcialmente sob a forma de professores, para apoiar o Timor-Leste. Por Ter sido, até o momento, um país Observador, o Timor-Leste não pode ainda beneficiar-se dos recursos do Fundo Especial, destinados a custear projetos desenvolvidos apenas nos Estados membros. A partir de 1º de agosto de 2002, no entanto, data em que o Timor-Leste passará a integrar a CPLP como membro de pleno direito, essa situação mudará. O novo País passará a ter todos os direitos e a se beneficiar desses projetos.
Portal Afro - E a Indonésia (país vizinho, que dominou o Timor nos últimas décadas)? Recolheu-se completamente? Ainda não há riscos de uma revanche?
Dulce Maria Pereira - Não creio que a Indonésia volte alguma vez mais a ameaçar o Timor-Leste.
Portal Afro - Os timorenses não estão muito mais "antenados" com a cultura e costumes asiáticos? As influências lusitanas ainda tem importância para eles?
Dulce Maria Pereira - O Timor-Leste é com certeza um País asiático, tal como a Indonésia. Por isso é natural que a proximidade entre as duas culturas seja muito mais visível. No entanto, a presença portuguesa estendeu-se ao longo de vários séculos. Basta ir ao Timor-Leste para perceber a verdadeira dimensão dessa influência. O Timor é um País maioritariamente católico, ao contrário da Indonésia, que é o maior País muçulmano daquela região. A escolha da Língua Portuguesa como idioma oficial, ao lado do tétum, é também uma clara afirmação da persistência cultural dessa presença.
Portal Afro - Após tanto tempo sob domínio da Indonésia, os timorenses ainda preservam o português? Há um consenso entre a população e o governo com relação ao tema?
Dulce Maria Pereira - É claro que sim. Note que os timorenses escolheram como língua oficial o português e o tétum. A Língua Portuguesa foi fundamental no processo de independência de Timor-Leste: foi a língua da resistência. E muita gente morreu por falar português. Nas escolas, o idioma foi proibido. E se os mais jovens ainda não falam português, não podemos esquecer que seus pais e avós lhes contavam as histórias familiares e lendas de seu País nessa língua. Mas, após anos de luta e resistência, foram os próprios timorenses que decidiram em qual idioma queriam exprimir-se. A escolha já foi feita e o desejo da população será respeitado. É verdade que a taxa de analfabetismo é muito elevada, mas tanto o Governo como a Comunidade de Língua Portuguesa, sobretudo Brasil e Portugal, estarão certamente empenhados em combatê-la.
Portal Afro - Brasil, Portugal e os países africanos da CPLP, apesar de tantas diferenças, têm vários pontos comuns em suas histórias, além da língua. E o Timor-Leste? Apenas a mesma língua seria capaz de unir esses povos?
Dulce Maria Pereira - A história comum é um importante patrimônio que cria vários laços de identidade, fraternidade e possibilidades de entendimento. Esse é aliás um dos lemas da CPLP: "Oito Povos, um Entendimento".
Portal Afro - Os timorenses conhecem negros? E os negros conhecem os timorenses? Governos de países como Angola e Moçambique têm interesse real no Timor-Leste?
Dulce Maria Pereira - Durante o processo de luta pela liberdade do povo timorense, foi bem evidente o interesse que a comunidade internacional dedicou ao Timor-Leste. E esse efetivo interesse foi uma contribuição decisiva para a conquista da tão merecida independência desse novo País. Estou certa de que os negros virão a conhecer melhor o Timor-Leste e vice-versa. A CPLP estará apoiando essas iniciativas e ajudará a estabelecer contatos que aproximem esses povos, desprezando as distâncias geográficas. Felizmente, o mundo se torna cada vez menor.
Portal Afro - A senhora é provavelmente a primeira mulher negra brasileira a ocupar um cargo de tamanha importância no cenário mundial. O secretário da ONU também é negro, assim como o todo poderoso Colin Powell... As coisas estão começando a mudar?
Dulce Maria Pereira - E os Oscares deste ano premiaram finalmente dois atores negros... Era inevitável, não acha?
Portal Afro - De que forma a CPLP pode contribuir para tornar o mundo mais justo?
Dulce Maria Pereira - Promovendo o diálogo entre culturas relativamente diferentes em Língua Portuguesa. Reunindo-os em uma organização que une países por laços fraternos e entre os quais impera a solidariedade resultante de uma língua comum e, certamente, também, uma história em boa parte comum.
Portal Afro - Qual sua mensagem para os povos de língua portuguesa?
Dulce Maria Pereira - Que se esforcem parar viabilizar a construção efetiva dessa Comunidade. Para tanto, não podemos depender apenas dos esforços de nossos governos, por melhores que sejam. A CPLP deve ser - e já está sendo - uma estimuladora de iniciativas dos mais variadas setores de nossas sociedades, no sentido de estabelecer o conhecimento mútuo, a cooperação e parceiras entre os países membros. Por essas razões, minha mensagem é que continuem a promover iniciativas nos mais diversos setores com os povos irmãos de Língua Portuguesa.
Portal Afro - De todos os países membros da CPLP, Portugal é o único que tem como maioria a população branca. Podemos concluir que a Língua Portuguesa é hoje majoritariamente falada por negros?
Dulce Maria Pereira - A Língua Portuguesa não tem raça nem cor. É um idioma universal falado nos cinco continentes. Posso garantir que não é uma língua racista. Nem tem proprietários. Pertence a quem a fala, sejam brancos, negros ou asiáticos. Viajando pelo mundo não é difícil encontrar alguém, nos lugares mais improváveis, que fale português. Sinceramente não sei se são mais negros do que brancos; é provável, mas nunca fiz essa conta.
Portal Afro - A senhora é negra. Essa condição facilita seu acesso junto aos governos africanos? E, por outro lado, dificulta ou não, suas ações em países como Portugal e Brasil, onde o racismo ainda fala mais alto.
Dulce Maria Pereira - Com base em minhas experiências, posso afirmar que tenho sido muito bem recebida e ouvida nos Governos de todos os Estados membros, independentemente da côr da pele da maioria de sua população. Sinto-me em casa onde o idioma português é falado. Como dizia o poeta, "Minha pátria é minha língua..."
Portal Afro - A AIDS vem devastando a África. Quais as providências tomadas pela CPLP para combater a epidemia nos países membros do continente?
Dulce Maria Pereira - A CPLP tem um projeto de cooperação que visa a combater a AIDS nos países africanos que a integram. Esse projeto já foi pré-aprovado pelo Fundo Global da ONUSIDA. Faltam agora alguns poucos reajustes para que ele possa beneficiar-se dos recursos disponíveis no Fundo Global. Para tanto, contamos com gestões políticas dos Estados membros junto a essa entidade.
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Entrevista conduzida por : Milton César Nicolau - In Portal Afro
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