A falar (Português) é que a gente se entende...

Incrementar o uso da Língua Portuguesa

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Localização: Carnaxide, Lisboa, Portugal

sábado, julho 23, 2005

Norma Culta, Purismo e Estrangeirismos

Como vimos e tem se propalado, o mau uso da língua afeta as inúmeras situações sociais, mas deve-se considerar que na verdade as situações sociais é que determinam os usos lingüísticos. Os falantes se constituem como tal, usuários de uma determinada variedade lingüística, nas interações verbais de que participam – já mostrava Bakhtin. Se uma criança nasce num meio letrado, a gramática da língua que ela irá internalizar certamente será aquela que mais se aproxima dos padrões de prestígio social. Em nossa sociedade temos, de um lado, acumulação de poder material e simbólico; de outro, uma classe desmobilizada e sujeita aos instrumentos de imposição e dominação cultural, portanto lingüística. Assim, “por maior que seja a parcela de funcionamento da língua infensa à variação, existe, tanto no plano da pronúncia como no do léxico e mesmo da gramática, todo um conjunto de diferenças significativamente associado a diferenças sociais”, observou Bourdieu (1996). Como a língua não é um sistema pronto, acabado, mas está sempre sendo recriada, há forças permanentemente em movimento: forças internas agindo sobre ela (fatores gramaticais) e externas que nela atuam (os fatores sociais, como o contato com outras línguas, por exemplo), abrigando o surgimento de inovações a todo o momento. Essas inovações convivem por um tempo com as formas vigentes, enraizando-se depois e podendo elas próprias ser ultrapassadas com o correr dos anos. Purismo significa desconhecer tais mudanças e aceitar apenas uma língua pura, ornamental e escoimada de “erros”. Purista, portanto, é aquele que não se deixa impressionar “pelo caráter social de um discurso, não aceita as variantes combinatórias da norma objetiva, recusa dobrar-se à pressão estatística do uso”, diz Alain Rey (in Bagno. Norma lingüística, 2001). Parece, assim, que o purista ignora ou faz questão de ignorar todo o conhecimento científico da língua, recusando a realidade do uso. Um exemplo disso seria a insistência no ensino de certas formas anacrônicas, algumas jamais utilizadas no Brasil, como “anos oitentas, noventas” etc. Uma das conseqüências de uma visão purista da língua são os ataques aos estrangeirismos que aterrizaram no Brasil, especialmente depois que a informática aqui se instalou com força, trazendo consigo não só a tecnologia americana mas a língua inglesa, intocada em termos como hardware, software, backup, nick, zip, hacker, e-mail, link, e adaptada em outros como deletar, printar e atachar. A crítica ecoa alarmista só porque as pessoas não se dão conta do fenômeno da variabilidade lingüística. O uso de palavras provenientes de outras línguas é – repetindo – uma questão de aceitabilidade, de disposição às mudanças, na compreensão de que a variação está inscrita na língua, é inerente a ela. A mudança pode ser lenta, mas é inexorável. E não podemos deixar de lembrar que a importação estrangeira é uma das fontes de formação lexical. A língua de aquisição é que varia, dependendo da época. Nos séculos 18 e 19, por exemplo, o francês era predominante. Agora é o inglês. Quem é preconceituoso contra os empréstimos lingüísticos imagina que atualmente eles são mais volumosos ou poderosos do que no passado, a sugerir a decadência da língua, o que não é verdade, conforme a ciência lingüística constata. Essa noção de declínio, aliás, não é peculiar à língua portuguesa. Também em outros países a questão de uma norma aparentemente imutável e isenta de estrangeirismos está muito ligada à idéia de corrupção e empobrecimento lingüístico. As pessoas vêem a quebra das normas, ou o relaxamento de certos cânones lingüísticos, como uma ameaça à integridade ou sobrevivência da língua. Enfim, não só os estrangeirismos mas toda contravenção lingüística parece atentar, no imaginário dos brasileiros, contra a unidade e a força do nosso português. Por tudo isso vale ressaltar a importância da tolerância e da aceitação da pluralidade, sem preconceitos. Devemos nos abrir a novos horizontes, voltados, como bem sublinha Magda Soares, a “uma nova concepção de língua: uma concepção que vê a língua como enunciação, não apenas como comunicação, e que, portanto, inclui as relações da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização” (in Bagno. Lingüística da norma, 2002). --------------- Por: NORMA CULTA, PURISMO E ESTRANGEIRISMOS Como vimos e tem se propalado, o mau uso da língua afeta as inúmeras situações sociais, mas deve-se considerar que na verdade as situações sociais é que determinam os usos lingüísticos. Os falantes se constituem como tal, usuários de uma determinada variedade lingüística, nas interações verbais de que participam – já mostrava Bakhtin. Se uma criança nasce num meio letrado, a gramática da língua que ela irá internalizar certamente será aquela que mais se aproxima dos padrões de prestígio social. Em nossa sociedade temos, de um lado, acumulação de poder material e simbólico; de outro, uma classe desmobilizada e sujeita aos instrumentos de imposição e dominação cultural, portanto lingüística. Assim, “por maior que seja a parcela de funcionamento da língua infensa à variação, existe, tanto no plano da pronúncia como no do léxico e mesmo da gramática, todo um conjunto de diferenças significativamente associado a diferenças sociais”, observou Bourdieu (1996). Como a língua não é um sistema pronto, acabado, mas está sempre sendo recriada, há forças permanentemente em movimento: forças internas agindo sobre ela (fatores gramaticais) e externas que nela atuam (os fatores sociais, como o contato com outras línguas, por exemplo), abrigando o surgimento de inovações a todo o momento. Essas inovações convivem por um tempo com as formas vigentes, enraizando-se depois e podendo elas próprias ser ultrapassadas com o correr dos anos. Purismo significa desconhecer tais mudanças e aceitar apenas uma língua pura, ornamental e escoimada de “erros”. Purista, portanto, é aquele que não se deixa impressionar “pelo caráter social de um discurso, não aceita as variantes combinatórias da norma objetiva, recusa dobrar-se à pressão estatística do uso”, diz Alain Rey (in Bagno. Norma lingüística, 2001). Parece, assim, que o purista ignora ou faz questão de ignorar todo o conhecimento científico da língua, recusando a realidade do uso. Um exemplo disso seria a insistência no ensino de certas formas anacrônicas, algumas jamais utilizadas no Brasil, como “anos oitentas, noventas” etc. Uma das conseqüências de uma visão purista da língua são os ataques aos estrangeirismos que aterrizaram no Brasil, especialmente depois que a informática aqui se instalou com força, trazendo consigo não só a tecnologia americana mas a língua inglesa, intocada em termos como hardware, software, backup, nick, zip, hacker, e-mail, link, e adaptada em outros como deletar, printar e atachar. A crítica ecoa alarmista só porque as pessoas não se dão conta do fenômeno da variabilidade lingüística. O uso de palavras provenientes de outras línguas é – repetindo – uma questão de aceitabilidade, de disposição às mudanças, na compreensão de que a variação está inscrita na língua, é inerente a ela. A mudança pode ser lenta, mas é inexorável. E não podemos deixar de lembrar que a importação estrangeira é uma das fontes de formação lexical. A língua de aquisição é que varia, dependendo da época. Nos séculos 18 e 19, por exemplo, o francês era predominante. Agora é o inglês. Quem é preconceituoso contra os empréstimos lingüísticos imagina que atualmente eles são mais volumosos ou poderosos do que no passado, a sugerir a decadência da língua, o que não é verdade, conforme a ciência lingüística constata. Essa noção de declínio, aliás, não é peculiar à língua portuguesa. Também em outros países a questão de uma norma aparentemente imutável e isenta de estrangeirismos está muito ligada à idéia de corrupção e empobrecimento lingüístico. As pessoas vêem a quebra das normas, ou o relaxamento de certos cânones lingüísticos, como uma ameaça à integridade ou sobrevivência da língua. Enfim, não só os estrangeirismos mas toda contravenção lingüística parece atentar, no imaginário dos brasileiros, contra a unidade e a força do nosso português. Por tudo isso vale ressaltar a importância da tolerância e da aceitação da pluralidade, sem preconceitos. Devemos nos abrir a novos horizontes, voltados, como bem sublinha Magda Soares, a “uma nova concepção de língua: uma concepção que vê a língua como enunciação, não apenas como comunicação, e que, portanto, inclui as relações da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização” (in Bagno. Lingüística da norma, 2002). ---------------- Por: Maria Tereza de Queiroz Piacentini Diretora do Instituto Euclides da Cunha e autora dos livros “Só Vírgula”, “Só Palavras Compostas” e “Língua Brasil – Crase, pronomes & curiosidades” - www.linguabrasil.com.br Mais artigos em: Não Tropece Na Língua