A falar (Português) é que a gente se entende...

Incrementar o uso da Língua Portuguesa

Nome:
Localização: Carnaxide, Lisboa, Portugal

quarta-feira, agosto 31, 2005

Blog Day ! Blog Day ! Blog Day !

Neste Dia da Blogosfera não vou recomendar 5 blogs.
 
Neste Dia da Blogosfera gostava de recomendar 5 milhões.
 
Neste Dia da Blogosfera gostava de recomendar 5 milhões de Blogs escritos em Língua Portuguesa.
 
Como não posso (embora a falta não seja minha...), recomendo (para já...) TODOS os  8.200 Blogs Em Língua Portuguesa listados no DIRECTÓRIO PARALAXE.
 
Juntando o útil ao agradável tento aplicar a fórmula seguinte:
 
 
BLOG DAY  +  MOVIMENTO 560   =  DIRECTÓRIO PARALAXE
 
 
Um abraxe do Paralaxe

domingo, agosto 28, 2005

Blog Day !!! Blog Day !!! BLog Day !!!

Ajude a incrementar o uso da Língua Portuguesa recomendando 5 blogs escritos na Língua de Camões. Alguém associou a data 31-08 com Blog (se juntarmos os números 3108 fica mais claro); daí até aproveitar esta data para a transformar no Dia Da Blogosfera ( Blog Day ) foi um saltinho; multiplicam-se as iniciativas e eu não quero deixar de contribuir para o evento. Daí que me lembrei do Movimento560, que recomenda a compra de produtos e uso de serviços portugueses, para associar as duas idéias. Com a utilização do Directório PARALAXE, com 8.200 entradas de blogs escritos em Português (salvo algumas excepções impertinentes que conseguiram tapar os olhos ao BlogMaster...), é fácil fazer a recomendação de 5 blogs portugueses; se alguma dificuldade houver, será só a da escolha... Além do clone no SAPO, o Directório PARALAXE tem outros clones tal como é apresentado no Blog BLOGS PARALAXE, de modo a facilitar a visualização de blogs por todos os Portugueses (e também de outros utilizadores da Língua...), espalhados pelos 4 (ou 5...) cantos do mundo. Faça da próxima quarta-feira (31), o dia da CBLP ( Comunidade de Bloguistas em Língua Portuguesa ). - - - - - - - - Um abraxe do Paralaxe

sábado, agosto 13, 2005

Entrevista A Dulce Maria Pereira (Secretária Executiva Da CPLP - 2002)

Portal Afro - O que é a CPLP? Quando foi criada e quais são seus objetivos? Dulce Maria Pereira - A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é uma organização multilateral de que são Estados membros Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, aos quais se juntará muito em breve a República Democrática de Timor-Leste. A CPLP foi criada em 17 de Julho de 1996 e uma das suas principais missões é a cooperação nos domínios econômico, social, cultural, jurídico e técnico-científico entre os países membros. As relações político-diplomáticas e a difusão da língua portuguesa são as outras áreas fundamentais de atuação da CPLP. Portal Afro - A Língua Portuguesa sobreviverá ou será sufocada pelo Espanhol? Dulce Maria Pereira - O último relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) afirma claramente que existem cerca de 170 milhões de pessoas cuja língua materna é o português, que a Língua Portuguesa é a sexta língua viva mais falada no mundo e é um dos idiomas em maior expansão no planeta. É a língua de trabalho em 12 organizações internacionais e, na verdade, é utilizada todos os dias por aproximadamente 200 milhões de pessoas. É óbvio que o número de pessoas que falam espanhol - assim como o inglês (cerca de 340 milhões) - é bem mais expressivo do que os que falam português. Mas, na realidade, estas três línguas são, de fato, as que têm melhores condições de expandir o seu número de falantes. Não creio que o espanhol possa sufocar o português ou o inglês. Para a sobrevivência dos idiomas também será fundamental a sua distribuição geográfica. E perceba que cada vez mais, nestes tempos globalizantes, é cada vez mais difícil alguém falar apenas uma língua e ser entendido pelo mundo fora. Estou convencida de que no futuro viveremos num planeta que falará pelo menos três línguas, além da língua materna de cada um. Vale ainda lembrar que o português já representa 3% dos conteúdos da Internet, ocupando o 9º lugar nesse meio de comunicação. Portal Afro - A CPLP tem poder de interferência na política interna dos países membros? Dulce Maria Pereira - Não. O papel da CPLP deve ser o que dela esperam os países membros. O Secretariado Executivo procura, portanto, expressar a vontade comum desses países, não desempenhando nenhum papel político independente. Portal Afro - Qual foi a participação da CPLP no processo de paz em Angola? Dulce Maria Pereira - A CPLP sempre esteve à disposição dos Estados membros para que sua estrutura e seu foro pudessem ser utilizados para a solução do processo de paz naquele país irmão. Portal Afro - O que é e o que faz o Instituto Internacional de Língua Portuguesa (ILLP) em Cabo Verde? Dulce Maria Pereira - O ILLP acaba de ser constituído, devendo a partir de agora trabalhar no sentido da promoção e da divulgação da Língua Portuguesa seguindo uma política que está sendo elaborada com o apoio de todos os Estados membros. Portal Afro - Em que pé está a economia de Moçambique? Os moçambicanos ainda sofrem os efeitos das enchentes que praticamente devastaram o País? Dulce Maria Pereira - Moçambique é um País devastado por anos de guerra, que agora começa a recuperar-se. Devemos ressaltar, porém, que, por três anos consecutivos, sua economia apresentou um dos maiores crescimentos no mundo: entre 7% e 9% de incremento do PIB por ano. Trata-se, certamente, de um exemplo no esforço de produtividade que tem alcançado. Mas as dificuldades são muitas e os resultados ainda não têm a visibilidade que seria desejável. A inclemência dos temporais que provocaram enchentes por todo o País, interromperam de forma lamentável esse formidável crescimento. Trata-se, também, de um país que enfrenta uma séria luta contra a pobreza, mas o seu esforço e o investimento para superar certas deficiências no plano social trarão resultados em breve. Portal Afro - A CPLP acaba de organizar um Festival de Música no Timor-Leste. De onde veio essa idéia e qual o objetivo desse festival? Dulce Maria Pereira - Foi uma iniciativa da CPLP para abrilhantar as comemorações da Independência do Timor-Leste. A música é a melhor e mais festiva das linguagens universais e um dos mais ricos "recursos" desta magnífica comunidade. Portal Afro - Qual foi a participação do governo brasileiro nesse festival? Dulce Pereira - O governo brasileiro mandou artistas e produtores culturais, além de financiar a viagem de artistas de outros países membros da CPLP, sem condições de cobrir esses custos, para garantir essa representatividade no festival. Dessa forma, pudemos conferir um caráter verdadeiramente comunitário ao Festival. Para esse esforço, contei com o decisivo apoio dos Ministérios da Cultura e das Relações Exteriores, pelo que sou muito grata ao Ministro Francisco Weffort e ao Ministro Celso Lafer. Portal Afro - Aparentemente o governo brasileiro tem forte interesse em fincar pé no Timor-Leste. A CPLP é sua aliada nessa missão? Dulce Maria Pereira - Naturalmente. Portal Afro - O festival foi realizado na capital, Díli? Como está a cidade, hoje? Ela já oferece estrutura para a realização de um evento desse porte? Dulce Maria Pereira - O Festival foi realizado em Taci Tolo, que fica a cerca de 8 kilômetros de Díli, local que foi preparado para oferecer toda a estrutura necessária para a realização do evento. Portal Afro - Quais são as medidas adotadas pela CPLP para ajudar na reconstrução do Timor-Leste? Dulce Maria Pereira - Os países da CPLP com maiores recursos já os estão disponibilizando, espcialmente sob a forma de professores, para apoiar o Timor-Leste. Por Ter sido, até o momento, um país Observador, o Timor-Leste não pode ainda beneficiar-se dos recursos do Fundo Especial, destinados a custear projetos desenvolvidos apenas nos Estados membros. A partir de 1º de agosto de 2002, no entanto, data em que o Timor-Leste passará a integrar a CPLP como membro de pleno direito, essa situação mudará. O novo País passará a ter todos os direitos e a se beneficiar desses projetos. Portal Afro - E a Indonésia (país vizinho, que dominou o Timor nos últimas décadas)? Recolheu-se completamente? Ainda não há riscos de uma revanche? Dulce Maria Pereira - Não creio que a Indonésia volte alguma vez mais a ameaçar o Timor-Leste. Portal Afro - Os timorenses não estão muito mais "antenados" com a cultura e costumes asiáticos? As influências lusitanas ainda tem importância para eles? Dulce Maria Pereira - O Timor-Leste é com certeza um País asiático, tal como a Indonésia. Por isso é natural que a proximidade entre as duas culturas seja muito mais visível. No entanto, a presença portuguesa estendeu-se ao longo de vários séculos. Basta ir ao Timor-Leste para perceber a verdadeira dimensão dessa influência. O Timor é um País maioritariamente católico, ao contrário da Indonésia, que é o maior País muçulmano daquela região. A escolha da Língua Portuguesa como idioma oficial, ao lado do tétum, é também uma clara afirmação da persistência cultural dessa presença. Portal Afro - Após tanto tempo sob domínio da Indonésia, os timorenses ainda preservam o português? Há um consenso entre a população e o governo com relação ao tema? Dulce Maria Pereira - É claro que sim. Note que os timorenses escolheram como língua oficial o português e o tétum. A Língua Portuguesa foi fundamental no processo de independência de Timor-Leste: foi a língua da resistência. E muita gente morreu por falar português. Nas escolas, o idioma foi proibido. E se os mais jovens ainda não falam português, não podemos esquecer que seus pais e avós lhes contavam as histórias familiares e lendas de seu País nessa língua. Mas, após anos de luta e resistência, foram os próprios timorenses que decidiram em qual idioma queriam exprimir-se. A escolha já foi feita e o desejo da população será respeitado. É verdade que a taxa de analfabetismo é muito elevada, mas tanto o Governo como a Comunidade de Língua Portuguesa, sobretudo Brasil e Portugal, estarão certamente empenhados em combatê-la. Portal Afro - Brasil, Portugal e os países africanos da CPLP, apesar de tantas diferenças, têm vários pontos comuns em suas histórias, além da língua. E o Timor-Leste? Apenas a mesma língua seria capaz de unir esses povos? Dulce Maria Pereira - A história comum é um importante patrimônio que cria vários laços de identidade, fraternidade e possibilidades de entendimento. Esse é aliás um dos lemas da CPLP: "Oito Povos, um Entendimento". Portal Afro - Os timorenses conhecem negros? E os negros conhecem os timorenses? Governos de países como Angola e Moçambique têm interesse real no Timor-Leste? Dulce Maria Pereira - Durante o processo de luta pela liberdade do povo timorense, foi bem evidente o interesse que a comunidade internacional dedicou ao Timor-Leste. E esse efetivo interesse foi uma contribuição decisiva para a conquista da tão merecida independência desse novo País. Estou certa de que os negros virão a conhecer melhor o Timor-Leste e vice-versa. A CPLP estará apoiando essas iniciativas e ajudará a estabelecer contatos que aproximem esses povos, desprezando as distâncias geográficas. Felizmente, o mundo se torna cada vez menor. Portal Afro - A senhora é provavelmente a primeira mulher negra brasileira a ocupar um cargo de tamanha importância no cenário mundial. O secretário da ONU também é negro, assim como o todo poderoso Colin Powell... As coisas estão começando a mudar? Dulce Maria Pereira - E os Oscares deste ano premiaram finalmente dois atores negros... Era inevitável, não acha? Portal Afro - De que forma a CPLP pode contribuir para tornar o mundo mais justo? Dulce Maria Pereira - Promovendo o diálogo entre culturas relativamente diferentes em Língua Portuguesa. Reunindo-os em uma organização que une países por laços fraternos e entre os quais impera a solidariedade resultante de uma língua comum e, certamente, também, uma história em boa parte comum. Portal Afro - Qual sua mensagem para os povos de língua portuguesa? Dulce Maria Pereira - Que se esforcem parar viabilizar a construção efetiva dessa Comunidade. Para tanto, não podemos depender apenas dos esforços de nossos governos, por melhores que sejam. A CPLP deve ser - e já está sendo - uma estimuladora de iniciativas dos mais variadas setores de nossas sociedades, no sentido de estabelecer o conhecimento mútuo, a cooperação e parceiras entre os países membros. Por essas razões, minha mensagem é que continuem a promover iniciativas nos mais diversos setores com os povos irmãos de Língua Portuguesa. Portal Afro - De todos os países membros da CPLP, Portugal é o único que tem como maioria a população branca. Podemos concluir que a Língua Portuguesa é hoje majoritariamente falada por negros? Dulce Maria Pereira - A Língua Portuguesa não tem raça nem cor. É um idioma universal falado nos cinco continentes. Posso garantir que não é uma língua racista. Nem tem proprietários. Pertence a quem a fala, sejam brancos, negros ou asiáticos. Viajando pelo mundo não é difícil encontrar alguém, nos lugares mais improváveis, que fale português. Sinceramente não sei se são mais negros do que brancos; é provável, mas nunca fiz essa conta. Portal Afro - A senhora é negra. Essa condição facilita seu acesso junto aos governos africanos? E, por outro lado, dificulta ou não, suas ações em países como Portugal e Brasil, onde o racismo ainda fala mais alto. Dulce Maria Pereira - Com base em minhas experiências, posso afirmar que tenho sido muito bem recebida e ouvida nos Governos de todos os Estados membros, independentemente da côr da pele da maioria de sua população. Sinto-me em casa onde o idioma português é falado. Como dizia o poeta, "Minha pátria é minha língua..." Portal Afro - A AIDS vem devastando a África. Quais as providências tomadas pela CPLP para combater a epidemia nos países membros do continente? Dulce Maria Pereira - A CPLP tem um projeto de cooperação que visa a combater a AIDS nos países africanos que a integram. Esse projeto já foi pré-aprovado pelo Fundo Global da ONUSIDA. Faltam agora alguns poucos reajustes para que ele possa beneficiar-se dos recursos disponíveis no Fundo Global. Para tanto, contamos com gestões políticas dos Estados membros junto a essa entidade.
------------------------ Entrevista conduzida por : Milton César Nicolau - In Portal Afro

Uma Aula De Gramática

1. Certa vez, li na apresentação de um livro: “Esse texto, que recebeu cuidosa revisão...” À primeira vista, ocorreu-me que o descuidado revisor teria deixado escapar esse “cuidosa”? O curioso é que “cuidoso” existe, sim, e consta dos nossos atuais dicionários. Embora, nos nossos dias, seja palavra rara (era mais comumente empregada no séc. XIV), tem plena legitimidade. Mas como poderá o leitor menos “malicioso” descobrir que o autor da apresentação foi tão erudito e o revisor tão cuidadoso a ponto de ambos correrem o risco de serem tidos por descuidados? Escrever é tarefa perigosa, mesmo para quem conhece as convenções da escrita e os mais sutis caminhos que levam ao “certo” ou ao “errado”. Do ponto de vista pedagógico, perante os solecismos que se cometem em todos os tipos de textos, ainda existem uns poucos professores “gramatiqueiros” que defendem o ensino da língua como transmissão e fixação das regras. A tendência atual, porém, é bem outra, para não dizer totalmente oposta. Muitos professores põem à parte a gramática normativa, alguns por considerá-la um fardo muito pesado para colocar aos ombros dos alunos, outros porque a desconhecem. Pensando da maneira mais “ingênua”, podemos dizer o que muitos dizem: escrever corretamente é difícil, em virtude das inúmeras regras e exceções a serem observadas, sem se falar nas mudanças que essas regras sofrem ao longo do tempo como aconteceu com muitos acentos diferenciais abolidos pela reforma ortográfica de 1971 e como vai acontecer quando se tornar lei o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (de 1990), que prevê, por exemplo, a extinção do trema, que para muitos nem nasceu e, no dizer do acadêmico Arnaldo Niskier, é um “elemento quase supérfluo”. A propósito dessas mudanças periódicas, um exemplo pequeno mas significativo é o da palavra “álibi”, que nem sempre foi acentuada. Esta recomendação, em obediência à regra segundo a qual devemos acentuar as proparoxítonas, chegou-nos pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa editado pela Academia Brasileira Letras em 1981, sob a orientação de Antônio Houaiss. O VOLP alertava para o aportuguesamento do termo latino (de largo uso nos textos jurídicos) que se grafava alibi. Hoje, quem escreve “alibi” sem acento (provavelmente por ter esquecido que se trata de proparoxítona) o máximo que poderá alegar é que estava em outro lugar (alius ubi) quando decidiram aceitar a força do uso. O uso tem sua força, e o uso nem sempre se submete à força (abusiva?) dos gramáticos. Veja-se o caso da mesóclise. Dificilmente a encontraremos nos textos contemporâneos, influenciados pela fluidez da fala, e por sua não menos influente lei do menor esforço. Encontrá-la-emos, talvez, na produção acadêmica, ou em textos oficiais redigidos por “cuidosos” escribas (com base em modelos egrégios...). Já os brasileiros que produzem literatura e trabalham na mídia recorrerão a diferentes formas de escrever para evitar a dita cuja, ou simplesmente a ignorarão (ou ainda, eventualmente, a utilizarão para obter efeitos estéticos). Luis Fernando Veríssimo, recomendado por exigentes amantes da gramática como Eduardo Martins, é considerado um grande cronista, mesmo quando despreza a mesóclise, e escreve num trecho de uma crônica sua, no Jornal do Brasil (27/04/96): “Talvez conseguissem que suas barrigas roncassem em uníssono. Mas aí, lhes faltaria a retórica.” 2. Existe uma tensão — alguns poderão considerá-la necessária e profícua — entre o que prescrevem os cultores e guardiãs da norma culta e o que falam e escrevem os “incultos”, ou até mesmo aqueles que simplesmente escorregam de vez em quando, com maior ou menor consciência de seus pecadilhos contra os mandamentos gramaticais. Dentro deste contexto, vê-se como função tradicional dos professores explicar que “interviu” fere a conjugação canônica do verbo “intervir”, que não se deve descobrir utilidades novas para o “aliás” e o “inclusive”, que “haviam duas pessoas na sala” e “somos em seis irmãos” são atentados ao pudor da língua, e por aí vai. Por outro lado, os que “não sabem falar português” e “não sabem escrever corretamente” constituem, afinal de contas, a maioria não silenciosa que transforma o idioma e, em algum momento, mesmo sem querer, “vira o jogo”, obrigando os gramáticos a “evoluírem de opinião”, brilhante conceito filosófico da famosa marchinha O cordão dos puxa-sacos, de Roberto Martins e Erathóstenes Frazão. A turma da gramática “evolui de opinião” e aceita, ou pelo menos tolera (embora artificialmente), que o “povão” não fale e escreva “corretamente” em tal ou tal caso, ou que até mesmo os falantes cultos adiram ao uso comum (tido como anormal...), receosos de parecerem pedantes. Tomemos o advérbio “alerta” que, na sua forma clássica (aprendemos com Cândido Figueiredo, Antenor Nascentes, Francisco Fernandes e Evanildo Bechara), permanece invariável: “fiquem alerta aos movimentos do atacante!” — conforme exemplifica o Dicionário Houaiss. No entanto, com que deparamos no cotidiano? Nos jornais, é comum ler manchetes como “hospitais alertas”, “ressurge febre amarela — comunidades alertas”, “os EUA continuam alertas”, empregando-se o “alerta” como adjetivo. O VOLP registra as duas possibilidades: advérbio (“em atitude de vigilância”, “atentamente”) e adjetivo (“atento”, “vigilante”). Mas se trata aqui de uma convivência forçada. Em breve, o advérbio “alerta” tornar-se-á um arcaísmo, uma curiosidade lingüística do passado, se já não é um anacronismo aqui e agora. Hoje, as instituições mais alertas recomendam que, ao se prepararem as questões de seus concursos e provas, ninguém toque neste assunto. A tensão entre aquilo que o gramático legisla e aquilo que o falante pratica (lembrando-se que o gramático é também falante, “usuário” do idioma, e não raramente poderemos detectar suas “incoerências”) assemelha-se ao diálogo entre o Pequeno Príncipe e o rei mandão. Num primeiro momento, o rei proíbe que o principezinho boceje, mas como o viajante explica que não pode evitá-lo, pois não dorme há um bom tempo, o monarca “evolui de opinião”: “Então eu te ordeno que bocejes. [...] Vamos, boceja! É uma ordem!” Intimidado, o principezinho explica que, diante da obrigatoriedade do bocejo, não consegue mais bocejar, e o rei evolui novamente: “Então... então eu te ordeno ora bocejares ora...” O rei autoritário não tolera a desobediência, mas não se torna por isso um rei irracional. Tem nítida consciência do quanto é inconveniente dar ordens que estejam acima da capacidade dos súditos. Se ordenasse que o general se transformasse em gaivota e este não obedecesse, o culpado seria o rei, evidentemente: — Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se em gaivota, e o general não executasse a ordem recebida, quem — ele ou eu — estaria errado? — Vós — respondeu com firmeza o principezinho. — Exato. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar — replicou o rei. — A autoridade repousa sobre a razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance ao mar, farão todos revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis [1] . 3. O mesmo arrisco-me a pensar com relação à gramática. A complexidade das regras gramaticais (bela e atraente, diga-se de passagem, para quem a seu estudo se dedicar) pode desanimar aquela pessoa que, de modo assistemático, espontâneo, aprendeu a se comunicar bem, para os padrões da sua comunidade, por vezes criativamente, mas talvez não tenha motivação nem meios para, ao falar e escrever, flexionar os verbos, especialmente os irregulares, como manda o figurino, explorar todas as potencialidades das conjunções subordinativas, colocar os pronomes nos seus devidos lugares etc. Nem de longe vamos defender aqui o pragmatismo de certos professores que, diante da angústia dos alunos (e diante da própria dificuldade que eles, professores, experimentam na hora de ensinar os meandros da gramática), recorrem ao “cortem as cabeças!” da Rainha de Copas, como aconteceu numa sala de aula de algum cursinho para pré-vestibulandos. Alguém levantou a mão e perguntou: “Mas, professor, quando é a que a gente usa o ponto-e-vírgula?” E o mestre, sem maiores cerimônias ou escrúpulos, atalhou o problema: “Não se usa mais o ponto-e-vírgula”. O ponto-e-vírgula, felizmente ou infelizmente, ainda se usa; são muitas as razões para que seja utilizado em determinados momentos. Uma das razões mais razoáveis é indicar pausa mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto. Contudo, é justamente numa explicação desse tipo que surge a dúvida cruel, capaz de esmagar o mais solícito dos súditos. No corpo docente (ou padecente) dos cursinhos havia e há, porém, aqueles que desejam dar ao aluno uma explicação mais racional para o ponto-e-vírgula, e para outros muitos pontos. Dele surgiu o mais famoso professor de Língua Portuguesa de que dispomos no Brasil, Prof. Pasquale Cipro Neto. Talvez o maior mérito do Prof. Pasquale seja reconhecer implicitamente como correta a famosa frase de Adoniran Barbosa: “pra falar errado é preciso saber falar errado”. Pasquale tem sensibilidade para discernir o que é norma culta, por um lado, e o que é vitalidade lingüística, quando se trata, por exemplo, de analisar as letras de um Chico Buarque ou de um Lobão ou de um Arnaldo Antunes, e manifestações verbais do “povão”. Evidentemente, seu papel é separar o joio do trigo, o que significa, do ponto de vista normativo, que Pasquale tem todo o direito de puxar a brasa para a sardinha da gramática e não perdoar que alguém escreva “séquiço” ou fale “a gente vamos”, por mais que possamos descrever e compreender os processos pelos quais tenhamos este “séquiço” (note-se o cuidado do “cuidoso” escritor ao acentuar uma proparoxítona) e, no caso de “a gente vamos”, possamos entender que se trata de uma concordância do verbo com a idéia (a gente, isto é, nós, que formamos esse grupo, vamos...), em analogia com o que os clássicos mais clássicos já fizeram, como um Júlio Dinis: “muita gente há que nunca na vida sentiu os tais vagos e erráticos sintomas, a que me refiro, e que contudo amam ou amaram deveras.” (As pupilas do senhor reitor, capítulo VII). Voltando a Pasquale, em geral repudia o joio sem xingá-lo. Também não é do seu estilo valorizar demais a terminologia gramatical, embora nos ensine o que é o quê. A sua prática de professor em cursinhos, palestras, na televisão e nas redações de jornais, lhe deu a capacidade de falar com clareza, sem a afetação típica de quem entende demais de gramática. Num capítulo de um de seus livros [2] , começa assim, ao comentar a diferença entre xeque e cheque: “Eta duplinha danada!” E em outros momentos utiliza expressões coloquiais como “cá entre nós”, “é aí que a roda pega”, “até aí, tudo bem”. Pasquale procura ser um profissional sensato. Reconhece não caber “a um gramático castrar hábitos lingüísticos diferentes dos que prega a norma”, mas, ao mesmo tempo, é fiel ao dever de ofício e afirma “que, em certos casos, o conhecimento e o emprego da norma culta são desejáveis e imprescindíveis”. 4. Só para não perder de vista o nosso ponto-e-vírgula, Pasquale escreveu num artigo [3] : E lá vamos nós, com a bendita vírgula a tiracolo. Terminei a coluna passada com o seguinte texto, incluído numa questão da Fuvest: “O cheque em branco que o eleitor passa ao eleito é alto demais, faz parte da condição mesma de candidato expor-se ao escrutínio público e abrir mão de uma série de prerrogativas, entre elas a privacidade”. A primeira leitura certamente não é lisa. O leitor tem a clara impressão de que a forma verbal “faz” se refere ao “cheque em branco”. Parece tratar-se de uma enumeração relativa a esse “cheque em branco”: o cheque é alto demais, o cheque faz parte... Não faz parte de nada. O sujeito da forma verbal “faz” é posposto, ou seja, vem depois. E qual é esse sujeito? Só pode ser aquilo que “faz parte da condição mesma de candidato”: “expor-se ao escrutínio público e abrir mão de uma série de prerrogativas, entre elas a privacidade”. A primeira vírgula do texto é a responsável pela impressão de que haveria uma enumeração relativa ao cheque em branco. Com ela, cria-se a expectativa dessa enumeração. Para que a leitura fosse mais lisa, duas seriam as opções: ponto-e-vírgula ou ponto final. Com o ponto-e-vírgula (“O cheque em branco que o eleitor passa ao eleito é alto demais; faz parte da condição mesma de candidato expor-se...”), separar-se-iam os blocos e manter-se-ia a idéia de que esses blocos fazem parte do mesmo assunto. Com o ponto final (“O cheque em branco que o eleitor passa ao eleito é alto demais. Faz parte da condição...”), seria acentuada a autonomia entre os dois blocos (o que se refere ao cheque e o que se refere a expor-se e a abrir mão de uma série de prerrogativas). Cá entre nós, a opção pelo ponto-e-vírgula ou pelo ponto final apenas atenuaria a idéia de enumeração, da qual ainda se sentiria um pequeno fio, dada a proximidade da forma verbal “faz”. Melhor mesmo seria mudar a ordem dos termos do segundo bloco, ou seja, não iniciá-lo com a forma verbal “faz”. É por essas e outras que o ofício de escrever é obra sem fim. Com direito a mesóclises, sem perder o tom coloquial, Pasquale não só demonstra o quanto é delicado usar o ponto-e-vírgula (e o melhor às vezes é esquecê-lo e tentar novas formulações), mas também como escrever constitui, de fato, uma tarefa ingente, ainda que exijamos que toda a gente cumpra à risca, sem esquecer um til, todas as leis. Evitemos ser professores “gramatiqueiros”, mesmo porque já está demonstrado que a gramática, sozinha, não nos ensina a escrever e falar corretamente. E essa demonstração vem de longe. João Ribeiro, em 1930, no seu livro Gramática Portuguesa, escreveu: “Tenho visto que muitos alunos de Português sabem talvez analisar (análise sintática, por exemplo), mas não sabem ler, nem entender o que lêem, e ainda menos escrever corretamente, sem falar aqui dos que ignoram a história da língua”. Um professor que queira ensinar gramática (e dela não podemos nos livrar, como não nos livramos de um guia de ruas ou de uma bula de remédio), uma vez que os alunos continuam necessitando comprovar sua competência gramatical em vestibulares, concursos e nas mais variadas provas de seleção, terá, a meu ver, que abandonar a idéia e a prática de um ensino que se traduz em enumerar regras, oferecer dicas, corrigir aqui e ali. Diria mais. Essa matéria que ninguém aprende — a gramática — já torturou muitos de nós sem necessidade, e praticamente sem resultados. Ou melhor, os professores que torturaram os alunos com o látego da análise sintática ou com a palmatória da classificação morfológica obtiveram resultados muito magros. Os melhores alunos de gramática, ou serão sempre uns poucos vocacionados (sempre existirão gramáticos, como existem especialistas em formigas), ou serão aqueles alunos que “gravam” as regras para uso imediato e as “apagam” da memória depois de terem passado no vestibular ou em algum concurso, ou serão alunos que lêem com freqüência, lêem bons livros, livros bem escritos (no caso de autores estrangeiros, livros bem traduzidos), e, como que por osmose, aprenderam a conjugar verbos, não tropeçam na pontuação, têm um bom desempenho ortográfico, empregam a crase acertadamente, mesmo que não saibam explicar, tecnicamente, o porquê disso ou daquilo. 5. Para escrever e falar com eficácia e beleza, seguindo a intuição de Adoniran Barbosa, precisamos saber. Saber saboroso, de quem assimilou (adquiriu similaridade com) aquilo que torna um texto agradável ao leitor e um discurso agradável ao ouvinte. Uma boa aula de gramática será aquela em que o sujeito não se torna objeto, em que nós não precisamos nos sujeitar aos bons conselhos (e também aos caprichos) da gramática para comunicar, com toda a riqueza expressiva do idioma, nossas idéias e sentimentos. “Supor” — nas palavras radicais do lingüista (usemos o trema enquanto nos for permitido...) Mike Dillinger — “que descrever palavras e frases ajuda o aluno a se comunicar é como pensar que descrever as partes da bicicleta ajuda a criança a andar de bicicleta. É uma posição insustentável. O ensino da gramática é irrelevante. [4] ” Na aula de gramática, os alunos têm de fugir à inércia legalista. Seja em velocípedes, bicicletas, carros ou carretas, percorrendo os caminhos e atalhos do idioma, caindo e levantando, brincando e aprendendo, devem se tornar, com a ajuda de todos os professores (mesmo os que não são professores de Língua Portuguesa, Redação ou Comunicação e Expressão), conforme o discurso típico dos PCN, escritores e leitores capazes de compreender e utilizar a linguagem com diversas finalidades, motivados a continuar a aprender e investir na sua própria educação. [1] Antoine de Saint-Exupéry, O pequeno príncipe, São Paulo, Círculo do Livro, s/d., págs. 37-8. [2] Inculta & bela, São Paulo, Publifolha, 1999. [3] Em: http://www1.uol.com.br/vestibuol/pasquale/pas2110.htm (acessado em 8 de março de 2004). [4] O ensino gramatical: uma autópsia. Em: SEMANA DE ESTUDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA, I, 1993. Belo Horizonte, Departamento de Letras Vernáculas, Faculdade de Letras da UFMG, 1995, v. I, pág. 38.
------------------------ Por : Gabriel Perissé, Doutor em Educação pela FEUSP - In Editora Mandruvá

Universo Linguístico De São Tomé E Príncipe

S. Tomé e Príncipe é um estado independente da África Ocidental, localizado no Golfo da Guiné. Compreende as ilhas de S. Tomé, do Príncipe e os ilhéus das Rolas ou de Gago Coutinho, das Cabras e das Pedras Tinhosas. Estas ilhas foram descobertas durante o reinado de D. Afonso V, entre 1469 e 1471, pelos portugueses João de Santarém e Pêro Escobar que as encontraram desabitadas. Durante a colonização das ilhas, a partir de 1493, foram trazidos escravos provenientes da Guiné, Benin, Gabão e Angola para a cultura da cana-de-açúcar. Do seu contacto com os senhores portugueses surgiu um pidgin que, por sua vez, deu lugar a crioulos que gradualmente se tornaram estáveis, sistemáticos e estruturados. O constante contacto com a língua portuguesa, minoritária, mas de prestígio, fez com ela se tornasse popular entre aqueles para os quais tinha sido inicialmente uma simples forma de comunicação limitada à condição social. O facto de os escravos serem falantes de línguas diferentes, nomeadamente as línguas Kwa e o Bantu, permitiu que uma mesma língua de superstrato, o português, influenciasse estes substratos formando-se assim nestas ilhas uma situação étnica e linguística complexa que deu origem ao aparecimento de vários crioulos, o que é aliás já reconhecido no século XIX quando Lopes de Lima refere que o“…dialecto semi-bárbaro não é perfeitamente idêntico nas duas ilhas, mas difere em muitas palavras e sobretudo na pronunciação a ponto tal de os habitantes de uma ilha não entenderem bem os da outra…” Coelho (1880). O universo linguístico do arquipélago de S. Tomé e Príncipe é composto por três crioulos e duas variedades do português (Espírito Santo 1983). O crioulo São Tomense (também conhecido por Forro) e o Moncó são falados respectivamente na ilha de S. Tomé e na ilha do Príncipe. Ambos são filiados na língua portuguesa do século XV, tendo como substrato as línguas africanas Kwa, da região do Benim, e Bantu, da região do Congo. (93% do seu léxico é de origem portuguesa, enquanto que apenas 7% é de origem africana). O Angolar, falado na parte ocidental e na parte oriental de S. Tomé, tem como base um dialecto do Umbundo, uma língua Bantu de povos do interior de Angola, e apresenta significativos empréstimos do português, principalmente a nível do léxico. Estes três crioulos têm todos eles as línguas africanas Kwa e Bantu como línguas de substrato, embora sejam mais visíveis traços do Kwa no Moncó e traços do Bantu no Angolar (Ferraz 1979). Existem ainda o Português Standard e a Forma Santomense do Português. Esta caracteriza-se por algumas alterações em relação ao português standard que a aproximam da estrutura do crioulo, como por exemplo:
  • alterações sintácticas (eu estou a pensar você muito)
  • alterações morfológicas (eu não está a falar de você não; eu já fiz jantar; eu pedi você)
  • mistura de discursos (o que eu tenho a dizer você é faz favor de andar)
  • simplificação verbal (admirei de carne não presta)
Em S. Tomé é mais prestigiante falar português do que falar crioulo. O Português foi sempre considerado como a boa língua, a língua que era falada por aqueles que “tinham estudos”. Falar crioulo era sinónimo de analfabetismo, de pouca cultura; quem falava crioulo eram os habitantes das roças, e nem mesmo após a independência política do país em 1975 o crioulo adquiriu o estatuto que é devido a qualquer língua materna de qualquer povo. A língua oficial da República Democrática de São Tomé e Príncipe é o Português.
------------------------- In Tripod

Estatuto Internacional Das Línguas Castelhana, Portuguesa e Francesa

O francês, o castelhano e o português são três línguas do grupo das românicas que, desde sua formação na Gália e na Ibéria, tiveram seus limites demarcados por políticas externas. A história se faz e se refaz. E, no centro desta, as línguas, que parecem somente pertencer a quem as fala, movimentam-se - como instrumentos políticos - para o centro dos interesses dos negócios internacionais. Sob o prisma da oficialidade, são as leis que promulgam o estatuto nacional e internacional de cada língua; a motivação, porém, é a crença de que Língua é Poder. Nesse contexto, as associações, denominadas francofonia, hispanofonia e lusofonia, não apresentam a eqüidade suficiente na mesa de negociação. Então, questiona-se: O que há de sobra em algumas - fonias? O que falta em outras? De início, preciso dizer que tenho dúvidas se a discussão acerca do tema deve seguir sob a ótica do estatuto jurídico de que o francês, o espanhol e o português são línguas suficientes no desempenho de suas funções, como línguas veiculares internacionais (cf. Calvet, 2002:204) [1], ou se deve seguir sob a ótica do status social e lingüístico de que essas línguas funcionam na comunicação internacional quando o inglês não é a língua obrigatória na mesa de negociação. Em trabalhos anteriores, chamo atenção para o fato de que pensamos Língua como um sistema de signos organizados, que serve à comunicação oral e escrita. Mais do que isso, no entanto, uma língua é foco de normas comumente aceitas oriundas de diversos fatores. Destes ressalvem-se pelo menos três. O primeiro são as criações literárias que difundem no espaço e fixam no tempo um modo de produzir o pensamento e, consequentemente, de dizer as coisas. Outro são as estruturas políticas que utilizam a língua e, muito especialmente, a língua escrita, no exercício da sua autoridade. E o terceiro é a consciência de coletividade, que preconiza direitos e deveres iguais para todos ao proporcionar a expressão como base da própria identidade. Este ultimo viés merece, no entanto, um olhar mais acurado, à medida que deixa evidente que somente estarão inseridos no plano nacional os indivíduos letrados, alfabetizados, porque estes serão capazes de ler e de conhecer seus direitos como cidadãos. No processo de evolução das estruturas políticas para os Estados Nacionais, os idiomas desempenharam papel decisivo na consolidação e no prestígio de certas línguas, porque estavam acoplados a um projeto de efetiva difusão da consciência nacional. Nesse ponto, Língua, história de língua e história das nações se confundem. Cabe relembrar que o fenômeno de constituição das línguas nacionais românicas se fez durante séculos na Europa. Não bastavam somente critérios políticos para definir língua nacional, mas também fatores econômicos e culturais. A ascensão ao poder de novas classes sociais provocava a implantação de um novo modelo lingüístico a ser seguido, o que fazia com que os dialetos recuassem. No entanto, naquele espaço de alto bilingüismo, muitos dialetos reagiram, ganharam força regional de língua e foram codificados em gramáticas e dicionários. Nesse ponto até valeria a pena rever a história da formação das línguas românicas, pois cada uma estava aparelhada aos fenômenos históricos e sociais da época e, por isso, têm constituições diferentes, porém nosso interesse é mais imediato: o de observar que, neste século XXI, a organização das sociedades ocidentais está centrada em redes homogêneas de comunicação humana iniciada já na velha Europa. É ponto pacífico que as redes de comunicação resultam da integração que os países promovem entre si para desenvolverem, de modo recíproco, a unidade política e econômica. O modelo internacional de integração dos países em bloco, todos sabemos, é o Mercado. Assim sendo, a internacionalização das trocas políticas e econômicas é feita por meio das línguas oficializadas no âmbito dos Estados, em decorrênca do conceito de supranacionalidade, conceito este gerado no plano teórico das decisões. Parte-se do fato conhecido de que todo Estado-Nação possui língua ou línguas oficializadas. No plano prático, todavia, compete aos Estados regularizar suas políticas lingüísticas nacionais, de acordo com a história dos fatos já ocorridos e, ao mesmo tempo, rever estes fatos à luz da nova ordem mundial. Compete, também, estabelecer princípios de harmonização intralíngua, com base em todas as variedades para que a comunicação interlingüística resulte bem-sucedida. Compete, ainda, aos Estados, em nome do transnacionalismo e do interlingüismo, criarem uma firme política de ensino e de aprendizagem da(s) língua(s) em causa, a fim de auferir-lhe(s) prestígio e de manter identidades. Como princípio de ética, qualquer política de línguas deverá trabalhar a unidade e a diversidade. Não se trata de pólos de contradição, mas de eixos de transição. A unidade é uma razão do Estado e a diversidade ou variedade é a matéria lingüística própria da comunidade, pois reflete as linguagens verbais, por meio das quais os indivíduos se comunicam. Para compreender como se desenrola o discurso social, precisamos saber como a língua e as linguagens representam nossas experiências e, para isso, é preciso refletir sobre a maneira como as linguagens realizam as ações de interação em espaços concretos. Já se disse que língua e poder caminham juntos, pois as sociedades se organizam sob políticas e a(s) políticas lingüísticas ocupam um lugar de destaque, apesar de, à primeira vista parecerem secundárias. Uma demonstração disso são os movimentos nacionalistas que fazem ressurgir línguas minoritárias, faladas por pequenos contingentes populacionais. A oficialização das línguas é um exemplo claro de poder, pois não existe território político que não esteja sob jurisdição lingüística. O Timor Leste figura como um caso excelente para ilustrar que a língua oficial de um território não depende somente da vontade daqueles que a usam, mas de decisões internacionais que colocam o idioma no topo da supranacionalidade. No território geográfico concreto, uma ou várias línguas são faladas correntemente; no território jurídico pode existir uma ou mais de uma língua oficial que funciona como Língua(s) do Estado político. O Estado pode ser bilíngüe e, assim, as línguas oficiais se localizam no plano horizontal, como é o caso do Canadá, com o inglês e o francês; o Estado pode reconhecer línguas provinciais e as comunidades é que são oficialmente bilíngües, como é o caso da Espanha. O Estado pode ser oficialmente monolíngüe, mesmo que haja no território comunidades que falam suas línguas maternas, como ocorre no Brasil. Em grande parte das vezes, as comunidades procuram seus direitos lingüísticos por entender que não podem ficar à margem do poder; esta situação se constata no Projeto de Lei da Câmara Federal do Brasil que oficializou a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS - a língua dos surdos. No transcurso dos últimos anos, pôde-se observar que, em nível mundial, a conscientização diante do fenômeno lingüístico derivou-se em, pelo menos, duas direções. Uma, que advoga a posição universalista diante de um sistema lingüístico, e outra, que reconhece a diversidade, resultante da interação lingüística entre povos. A primeira, de caráter homogeneizador, ressalta a unidade lingüística como fenômeno de preservação; a segunda argumenta que a unidade se fortalece na diversidade e proporciona que as singularidades de cada comunidade se sobressaiam. No papel de idioma supranacional, a língua portuguesa é oficial e tem seu estatuto muito bem delimitado em países que pertencem a continentes distantes e que conservam suas diferenças. Assim, no espaço da diversidade, Brasil e África, ao mesmo tempo em que foram receptores da cultura portuguesa, resguardaram e desenvolveram suas culturas próprias, e puderam, em virtude disso, deixar as marcas lingüísticas e os saberes em sociedades com as quais mantiveram e mantêm contatos. Agora, peço licença para deixar à competência das autoridades lingüísticas e políticas que aqui se encontram a posição do francês e do espanhol no cenário da intercomunicação. Afinal, está em curso um importante projeto, denominado Três espaços lingüísticos ante os desafios da mundialização, que se ocupa de discutir a diversidade lingüística e cultural dos povos e de encontrar respostas para causas comuns. Porém, algumas reflexões podem ser aqui alinhavadas, tendo por base o assunto sobre o qual me cabe falar: Estatuto internacional das línguas castelhana, portuguesa e francesa. As questões em causa são: estatuto internacional quer dizer i) o lugar que estas línguas ocupam no espaço da diversidade lingüística mundial? ii) a importância que possuem nos cenários políticos de grandes decisões? iii) a quantidade de falantes que cada uma possui nas diversas funções - identitária, nacional e veicular internacional? (cf. Calvet, op. cit.) iv) a presença dessas línguas nos organismos internacionais na função de língua de trabalho? Outras questões poderiam ser aqui apresentadas, porém a literatura sobre políticas língüísticas é rica na enumeração das dúvidas e de algumas respostas. O que se gostaria de afirmar é que o francês, o espanhol e o português têm importante presença no cenário internacional, porém possuem uma distribuição assimétrica no panorama da intercomunicação. Como critério para a discussão, servem os conceitos de francofonia, de hispanofonia e, principalmente, de lusofonia. É sabido que a Francofonia é considerada uma organização concreta de 51 estados e países. No âmbito desta Organização Internacional identifica-se uma política internacional de cooperação ao serviço da educação, da diversidade cultural, da economia e do desenvolvimento, da paz, da democracia, dos direitos do homem, com programas específicos para cada um desses aspectos. A Hispanofonia abarca 19 países, e a Lusofonia, por sua vez, é constituída de 8 países. Observe-se que estamos usando aqui o ponto de vista de Calvet (2002:192) que atribui à expressão com inicial maiúscula a designação de "uma realidade geopolítica, as instâncias francófonas", ao passo que, quando escrita com minúscula, "designa uma realidade sociolingüística, o conjunto dos países nos quais a língua tem um papel importante". (tradução nossa) [2] Agora, transforme-se esse triângulo das - fonias românicas em um quadrilátero, com a inclusão da Commonwealth, que possui 54 países membros. Os números denunciam a realidade. A Commonwealth, um prolongamento do colonialismo britânico, tenta implantar um modelo de poder diplomático e econômico sobre países diversos, quer falem ou não o inglês. A Francofonia, menos centrada na economia, focaliza a cultura, criando diversos organismos de difusão, como os centros culturais e lingüísticos e a TV5, que é a televisão internacional da francofonia. A Hispanofonia se serve do Instituto Cervantes e de uma política de "sala de aula" implantando cursos de língua e de cultura pelo mundo, a Lusofonia procura ter o mesmo planejamento que a Francofonia com o Instituto Camões e a RTPI Internacional, porém e, apesar de tudo, a Lusofonia é insipiente e os instrumentos criados em Portugal não cumprem os objetivos desejados no que se refere ao status da língua portuguesa. Ao estabelecer esse paralelo, verifica-se ainda que, hoje, francofonia (com minúscula inicial) é o conjunto de povos ou de grupos de falantes que utilizam parcial ou totalmente a língua francesa no quotidiano ou nas comunicações, enquanto lusofonia aparece conceituado como um "sistema de comunicação lingüístico e cultural na língua portuguesa e suas variedades lingüísticas, geográficas e sociais, pertencentes a vários povos de que dela é instrumento de expressão materna ou oficial". (Revista da Faculdade de Letras de Lisboa,nº 21/22, 5ª série, p.10). Mais uma vez, constatamos que, nessa concepção, lusofonia (com minúscula) é assimétrica diante de francofonia; a primeira se define por um critério sociolinguistico e a segunda por um critério filol ó gico. Essa distorção lingüística é a base da distorção pol ítica, nos termos que nos interessam. Lusofonia, a nosso ver, é uma abstração que ganha sentido no universo diversificado das nações que falam a língua portuguesa. Por ser uma abstração, requer que se estabeleçam parâmetros de incidência lingüística para que se comprenda até onde, no plano concreto, falar português identifica pertencer a uma comunidade lusófona. Dois pontos de vista dinamizam os conceitos de lusofonia. Um que desliza para a história das descobertas e que, por isso, localiza todos os portos tocados pelos portugueses, nos quais a língua foi disseminada, como espaço de lusofonia. Nestes, os sujeitos são identitários de uma cultura ibérica, que, em maior ou menor grau, formou a cidadania do Estado-Nação. Neste caso, a lusofonia é mais um sentimento do que um fato. O outro ponto de vista considera que os movimentos da língua no tempo, no espaço e na sociedade desenham as relações de fala e de poder lingüístico do português no mundo. Trata-se mais de identidade do que de sentimento. De uma forma ou de outra, identificamos alguns critérios que corroboram o conceito de lusofonia: país que adota a língua portuguesa como língua de comunicação ou como língua franca: país lusófono; comunidade que reúne todos os povos que falam o português, além dos Sete, mais Timor, Goa, Macau: comunidade lusófona; país que tem o português escrito e que expande essa modalidade por todo seu território: lusofonia crescente (o Timor ainda não o é, ou começa a ser); conjunto de países que têm o português como língua oficial, materna ou adotada: comunidade dos países de língua portuguesa (critério lingüístico) e não comunidade lusófona (critério filológico). A expressão lusofonia, relacionada ao critério filológico, é débil quando pretende denominar o conjunto de povos que falam o português, nos diversos continentes - "mundo da lusofonia" - por onde se espalhou. Algumas razões para isso, podem ser apontadas: i) os portugueses entraram em colônias que possuíam línguas (hoje minoritárias) fortemente estabelecidas, como as indígenas, no Brasil, as nacionais africanas, na África, as nacionais asiáticas, na Ásia; ii) grande parte dos portugueses que aportaram nas novas terras eram, à época, pouco letrados, o que possivelmente tenha impedido que implantassem, em suas colônias, casas de cultura que ensinassem a língua e que perpetuassem seus hábitos culturais ao lado dos hábitos locais; iii) as práticas portuguesas locais ficaram relacionadas às atitudes de extermínio; iv) as práticas portuguesas pouco se somaram às locais, pois não havia uma intenção de diversificar, senão de impor a cultura branca. Talvez, atitudes dessa natureza, tenham esfacelado o sentimento e tenham sombreado a concepção de identidade lusófona na América, na África e na Ásia. Daí que, entre nós, um indivíduo luso é "português", um luso-brasileiro é "aquele de origem portuguesa e brasileira", e lusitano é "o natural ou habitante da Lusitânia ou de Portugal" [3] e brasileiro é o natural do Brasil. Por outro lado, não se pode negar que a Língua Portuguesa recortou, no mundo, um espaço lusófono, delimitado pela geolingüística dos Estados-nações que têm o português como língua oficial. Esse conceito de monolingüismo oficial não exclui o de plurilingüismo dos povos de países que possuem línguas nacionais, porém é funcional, porque insere o português em Organizações internacionais. Assim, o português é língua de trabalho da ACP - Países de África, Caribe e Pacífico; da OEI - Organizaç ão dos Estados Iberoamericanos; da OUA - Organização de Unidade Africana; da SADC - Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral; da UEMOA - Uni ão Econômica e Monetária da África Ocidental; é uma das línguas da Uni ão Latina; é oficial da União Européia e do Mercosul. O português é falado como língua materna pela quase totalidade da população de Portugal e do Brasil, e em Angola por uma maioria expressiva. Em Cabo Verde, Guiné-Bissau, e São Tomé e Príncipe, é segunda língua e oficial, mas curiosamente estes países africanos fazem parte da Francofonia. Moçambique, país de língua oficial portuguesa, é membro da Commonwealth. E todos os 5 pa í ses da Á frica que t ê m o portugu ê s como língua oficial, mais Timor Leste (na Àsia), Portugal (na Europa) e Brasil (na América do Sul) são países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). E a CPLP é uma organização, até então carente de recursos financeiros, portanto com baixo poder (de estatuto e de status) e sérias dificuldades de fixar-se no cenário internacional. Como a Lusofonia não conseguiu ainda afirmar-se diante das outras associações internacionais, tem pouco poder de ação e, por isso, tem um peso ainda diminuto no seu estatuto internacional. A CPLP pode ser entendida como um organismo de aproximação de povos que falam o portugu ê s, mas não ainda como uma organização de proteção dos direitos do homem, igualdade para as mulheres, desenvolvimento econômico, comércio justo, proteção do meio-ambiente, apoio a programas culturais, não por falta de compet ê ncia ou estatuto, mas por falta de disciplina e de compromisso com programas de políticas públicas que exigem altas cifras de que essa reunião de países pobres não dispõe. Conclusão Na linha das evidências políticas, cabe dizer que o Brasil é um país Político e de Políticas. A Constituiç ão brasileira de 1988 decreta que o portugu ê s é o idioma oficial e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação a complementa, quando refere o respeito às l ínguas indígenas e à diversidade de falas no plano nacional. Falta ao Brasil, contudo, criar um planejamento coeso que d ê transpar ência às suas políticas p úblicas educacionais e lingü ísticas, por meio das quais sustenta centros de ensino de língua e de cultura no exterior, bem como leitorados e institutos brasileiros com o fim de difundir a língua do Brasil. Falta, ainda, perceber que a Língua é um recurso de fundo econ ômico-financeiro que poderá trazer divisas para o pa ís. Notas [1] CALVET, Louis-Jean. Le marché aux langues . Paris, Plon, 2002 [2] Francophonie, avec une majuscule, désigne une réalité géopolitique , les instances francophones, tandis que francophonie avec une minuscule désigne une réalité sociolinguistique, l'ensemble des pays dans lesquels le français joue un rôle important. [3] Em Novo Aurélio Século XXI . O Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. CD-ROM, 2000
------------------------- Resumo de uma dissertação de Enilde Faulstich - Universidade de Brasília; In Industrias De La Lengua

E Se Os Brasileiros Descobrem Que Os Portugueses Acham Que Eles Falam Brasileiro ?

Parte I No rescaldo da visita do Presidente Lula da Silva, decerto um dos poucos chefes de estado, do presente e do passado, que só fala Português, e também porque o verão convida a viajar, não resisto a incitar os leitores a dirigir o seu olhar para um dos países que mais está na moda: o Brasil. Poderia ciceroneá-los pelos encantos do Leblon carioca, pelas jóias do urbanismo colonial de Paraty ou Tiradentes, ou pelos recantos das praias de Búzios. Poderíamos até falar da arquitectura, das artes plásticas, da dramaturgia, do cinema ou da música brasileira, que não são temas desinteressantes, mas não – esta viagem será mesmo e só linguística. 1. As línguas indígenas Antes de 1500, o território agora chamado Brasil não estava desabitado. Sabe-se que os portugueses lá encontraram núcleos populacionais pacíficos e afáveis, aos quais deram o nome de tribos índias, na senda do erro histórico de Colombo. Apesar de se tratar de populações ágrafas, ou seja, sem conhecimento de um registo linguístico escrito, os índios do Brasil, pertencentes maioritariamente às famílias tupi e guarani, não eram desprovidos de fala. O enquadramento político e cultural que enformou os processos de colonização do continente americano pelas diversas nações europeias não era, porém, propício ao reconhecimento e à preservação dessas línguas, como não favorecia as populações indígenas, nem quase reconhecia o seu direito à existência, menos ainda à autodeterminação e à posse da terra. 2. A prevalência do Português Naquele novo mundo era, então, para se falar a língua europeia dos seus ‘descobridores’. Mas no Brasil a questão não ficou logo resolvida, porque a posse da terra foi sistematicamente disputada por diferentes países europeus e as colónias aí instaladas deixaram marcas linguísticas que, em alguns casos, ainda hoje perduram. Não esquecendo que os escravos vindos de África, em número não despiciendo e que consigo trouxeram conhecimentos linguísticos de diversas proveniências, não terão deixado de influir na realidade linguística brasileira. Se o Português prevaleceu, foi talvez porque as capitais políticas (primeiro Salvador, depois Ouro Preto, Rio de Janeiro e mais tarde Brasília) nunca deixaram de falar Português e também porque foi pela voz de um herdeiro ao trono de Portugal que a independência do Brasil se fez ouvir. Deve, no entanto, deixar-se bem claro que, apesar do Português ser a língua oficial do Brasil e ser a língua mais falada neste país, a sua realidade linguística é bem complexa e diversa, e que, apesar de muito estudada, é ainda muito desconhecida. 500 anos de história documentada e 181 anos de independência política fazem do Brasil um país ainda em busca da sua identidade nacional, logo também disposto a questionar a sua identidade linguística. Qual é então o estado do Português no Brasil? 3. O estado do Português no Brasil Na generalidade, os brasileiros consideram que falam Português e só reflectem sobre o Português que falam quando deparam com falantes do Português Europeu. Dado que os portugueses mais frequentemente acessíveis são os donos de padarias e outros pequenos comerciantes, geralmente provenientes do norte de Portugal, que por todas as razões, e embora muitas vezes sejam acarinhados, constituem o objecto típico da piada de botequim, o Português destes portugueses torna-se tão risível quanto eles próprios e a sua saudosa ‘terrinha’. O mesmo, ou quase, se passa com os brasileiros que emigram para Portugal. Ao seu bom humor não escapa a graça de ‘deitar o leite fora’ (no Brasil ‘jogar o leite fora’) ou ‘carregar no botão’ (no Brasil, ‘apertar o botão’), imaginando como conseguir ‘botar o leite deitadinho’ ou como ‘arrancar e levar consigo o botão’. Para seu grande espanto, aqui descobrem que a língua que falam, na opinião dos seus ‘irmãos portugueses’, não é Português – é Brasileiro. Para os filólogos e linguistas brasileiros a questão é outra. Ultrapassada a fase em que se pretendia dotar a independência do Brasil de uma língua própria, o que dificilmente se alcança por voluntarismo, chegou-se agora a um ponto em que a consciência das diferenças começa a tomar corpo como identidade linguística e a designação de Português Brasileiro, que progressivamente tem vindo a substituir a anterior de Português do Brasil, é um claro sintoma. Ora, as diferenças linguísticas entre o Português Europeu e o Português Brasileiro distribuem-se por diferentes domínios, mas não são, globalmente consideradas, tão radicais quanto o que alguns, quer brasileiros, quer portugueses, gostariam de fazer crer. 4. Ai se os brasileiros descobrem ... Chamar Brasileiro ao Português falado no Brasil, querer catapultar as duas variedades do Português a duas línguas diferentes, dar mais peso às diferenças do que às semelhanças é fazer o contrário do que convém a Portugal, aos portugueses e ao Português. É falta de vista e é mesmo um erro histórico que poderá a prazo condenar o Português Europeu à extinção. Pode ser que o Brasil decida tomar esse rumo, embora não haja ainda razões para o suspeitar, mas nós não temos de ‘ajudar à festa’. Não esqueçamos que o Brasil tem uma área de cerca de 8 milhões e 500 mil km2, ou seja, quase 100 vezes o tamanho de Portugal, e que tem uma população estimada em 170 milhões de habitantes, ou seja, 17 vezes o número de residentes em Portugal. Não esqueçamos que esta força bruta não serve apenas para as estatísticas, serve, acima de tudo, para assegurar um índice de diversidade suficiente para a preservação das espécies, e serve para a formação de uma massa crítica que permita a produção de conhecimento e a sua expressão em Português. Será que os nossos interesses são outros? A política linguística do Português não deve, pois, e assim concluo, deixar de ser pensada conjuntamente por Portugal e pelo Brasil. Sem retórica e sem subordinação às circunstâncias de celebração desta ou daquela data festiva. Com rigor.
----------------------- Por : Alina Villalva - Professora de Linguística da Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa - In Notícias Da Amadora

As Duas Línguas Do Brasil

(qual é mesmo a língua que falamos ?) As línguas diferem muito pouco no que diz respeito a suas capacidades expressivas. Mas, como é evidente, diferem muitíssimo quando a sua importância cultural, política e comercial. Temos, por um lado, línguas como o inglês, o espanhol, o russo, o chinês, o francês (e, mais modestamente, o português) que servem a vastas comunidades, sendo intensivamente utilizadas na política, na TV e na imprensa, na ciência, na literatura etc. Elas são chamadas, um tanto peconceituosamente, "língua de civilização". Por outro lado, existem línguas de interesse puramente local, como o xavante e o caxinauá entre os índios brasileiros, a maioria das línguas africanas, muitos dialetos locais da Europa e da Ásia, e assim por diante. Essas línguas nem sempre são faladas por comunidades diminutas: embora algumas só tenham algumas centenas de falantes, outras, (como o haussa, na Nigéria, e o quíchua, no Peru e na Bolívia) têm vários milhões. O que as opõe às línguas de civilização é que não são usadas intensivamente em toda a gama das atividades da vida moderna. O quíchua, no que pesem seus muitos falantes, não é veículo utilizado na grande imprensa, nem em obras científicas, e tem uma literatura bastante restrita. O caso mais extremo dessa limitação é das línguas realmente desprovidas de tradição escrita. Estas podem possuir uma ortografia, em geral de invenção recente, mas o corpo de material escrito nelas é muito pequeno e restrito a certas áreas de interesse: alguma literatura regional, traduções da bíblia feitas com vistas à catequese, e pouco mais. Tais línguas se chamam "ágrafas" (literalmente,"sem escrita"; mas já vimos que essa privação não precisa ser absoluta). É o caso do xavante, do changana (falado em Moçambique), do Bergamasco (falado em Bérgamo, no norte da Itália), de muitas pequenas línguas da Itália. Existe uma verdadeira multidão de línguas ágrafas pelo mundo afora. Em geral, elas convivem com uma da línguas de civilização, que seus falantes utilizam quando tratam de assuntos fora das necessidades do dia-a-dia. Dessa forma, um cidadão de bérgamo, quando conversa com a família, poderá exprimir-se em Bergamascomas, ao tratar de negócios, falará italiano; ao assistir a televisão, estará ouvindo italiano; e seu jornal de domingo estará escrito em italiano. Pode haver discussão entre os especialistas sobre quando é que uma língua deve ser considerada ágrafa. Muitos sustentam que o maia, língua indígena do sul do México, não é ágrafo, já que existem textos nessa língua há vários séculos. Não precisamos entrar nessa briga; creio que qualquer um pode ver diferença nítida entre uma língua que serve a todas as necessidades da vida moderna e uma que não o faz. A esta ultima chamamos "ágrafa". Vamos mudar de assunto agora; mais tarde, tentaremos juntá-lo ao que foi dito acima. Nosso segundo tema é o seguinte: que língua se fala no Brasil? Mas será que vale a pena fazer essa pergunta? Todo mundo (e todo o mundo) sabe que a língua do Brasil é o português. Além do mais, é uma língua de civilização, segundo a definição que vimos. Basta pegar um jornal, ligar a TV, passar os olhos nas prateleiras de uma livraria, salta à vista que o português é a língua do Brasil. Não há dúvida de que a língua de civilização que serve é o português. Além do mais, ela não está nem um pouco em perigo de perder essa posição privilegiada: apesar do que se fala dos progressos do inglês em certas áreas, o português continua firme como o veiculo de todos os aspectos da cultura brasileira. A imensa maioria da população (incluindo os universitários) é incapaz de se exprimir, e mesmo de ler, em qualquer outra língua. Logo, como se pode ter dúvida sobre a posição do português na comunidade brasileira? Mas notem que eu não perguntei qual era a língua de civilização do Brasil. Perguntei que língua se fala no Brasil. Explicando melhor: será que falamos a mesma língua que escrevemos e lemos? Muita gente tem opinião sobre isso; mas para formar nossa própria opinião vamos colher alguns dados. Digamos que estamos usando um binóculo durante o jogo de futebol e um amigo também queira dar uma olhada. Ele chega e diz: - Me empresta ele aí um minuto. É importante observar que essa é uma forma correta de falar naquele local e naquele momento. E que qualquer pessoa poderia utilizar uma frase como essa (não apenas as chamadas "pessoas incultas"). A frase acima faz parte do repertório lingüístico de todos os brasileiros; em uma palavra, é assim que nós falamos. Podemos escrever diferente (por exemplo, empreste-mo um minuto), mas falamos daquele jeito. Imaginemos outra situação: uma senhora está na confeitaria encomendando salgadinhos; diz ela: Você pode fazer eles pra sábado? A festa vai ser domingo, mas domingo eu não posso vim aqui, porque o bairro que eu moro é muito longe, e meu marido vai no jogo e vai levar o carro. Aí eu busco eles no sábado, se você tiver de acordo. Imagine a pessoa falando, e verá que essa fala é perfeitamente natural. Mas escrita ela choca um pouco, porque está cheia de traços que não costumamos encontrar em textos escritos: A preposição pra (em vez de para); O infinitivo vim (em vez de vir); A construção o bairro que eu moro (em vez de o bairro onde/ em que eu moro); A regência vai no jogo (em vez de ao jogo); As expressões fazer eles (em vez de fazê-los) e busco eles (em vez de busco-o ou mesmo, Deus nos livre!, buscá-los-ei). O verbo tiver (em vez de estiver). Agora, uns exemplos tirados da morfologia. A estrutura do verbo na língua que falamos é bem diferente da que se encontra na língua que escrevemos. Assim, há formas que nunca aparecem na fala, como: O mais-que-perfeito simples (fizera, gostáramos, fora); O futuro do presente (farei, gostaremos, irá). Na língua falada em Minas, também raramente ocorre o presente do subjuntivo (façamos, gostem, vá); essas formas são, entretanto, usuais no Norte e Nordeste do Brasil. O verbo falado difere do verbo escrito em outros detalhes. Assim, escreve-se (ou, mais exatamente, as gramáticas mandam que se escreva) quando eu te vir. Mas na fala essa expressão é difícil até de entender; falamos quando eu te ver. As gramáticas afirmam que no presente o verbo vir tem a forma vimos: nós vimos aqui toda semana. Na fala, claro, só se viemos, seja presente, seja passado. Na fala, o pronome nós é cada vez mais substituído por a gente; e, paralelamente, as formas de primeira pessoa do plural (fizemos, gostamos, íamos) vão caindo em desuso. Há pessoas que não as usam praticamente nunca. Querem mais? Na fala, a marca de plural não precisa aparecer em todos os elementos do sintagma. Assim, formas como esses menino levado (ou mesmo, pelo menos em Minas, quês menino levado!) existem na fala de todas as pessoas. Na escrita naturalmente, a marca de plural é sempre obrigatória em todos os elementos flexionáveis: esses meninos levados. Mais um exemplo: o imperativo se forma de maneira distinta na fala e na escrita. Falando, dizemos: vem cá; mas escrevemos: venha cá (no Nordeste, esta forma é também a falada). Outro: falando, colocamos com toda liberdade o pronome oblíquo no inicio da frase: me machuquei na quina da mesa; screvendo, tem de ser: machuquei-me na quina da mesa. Mas outro: falando, nem sempre usamos o artigo depois de todos (as): todas meninas têm relógio; na escrita, deve ser: todas as meninas. Acho que não é necessário continuar. As diferenças são muitas, como todos sabemos. Elas constituem uma das dificuldades principais que enfrentamos na escola, ao tentar produzir textos escritos. Aliás, por que temos tanta dificuldade em escrever textos em português? Não é a nossa língua materna? A resposta é simples, mas pode surpreender alguns: não, o português (que aparece nos textos escritos) não é nossa língua materna. A língua que arendemos com nossos pais, irmãos e avós é a mesma que falamos, mas não é a que escrevemos. As diferenças são bastante profundas, a ponto de, em certos casos, impedir comunicação (que criança de cinco anos entende empreste-lho?) Em outras palavras, há duas línguas no Brasil: uma que se escreve (e que recebe o nome de "português"); e outra que se fala (e que é tão desprezada que nem tem nome). E é esta última que é a língua materna dos brasileiros; a outra (o "português") tem de ser aprendida na escola, e a maior parte da população nunca chega a dominá-la adequadamente. Vamos chamar a língua falada no Brasil de vernáculo brasileiro (ou, para abreviar, simplesmente vernáculo). Assim, diremos que no Brasil se escreve em português, uma língua que também funciona como língua de civilização em Portugal e em alguns países da África. Mas a língua que se fala no Brasil é o vernáculo brasileiro, que não se usa em Portugal nem na África. O português e o vernáculo são, é claro, línguas muito parecidas, mas não são em absoluto idênticas. Ninguém nunca tentou fazer uma avaliação brangente de suas diferenças; mas eu suspeito que são tão diferentes quanto o português e o espanhol, ou quanto o dinamarquês e o norueguês. Isto é, poderiam ser consideradas línguas distintas, se ambas fossem línguas de civilização e oficialmente reconhecidas. Mas sendo as coisas como são, tendemos a pensar que vernáculo é simplesmente uma forma errada de falar português. Só que, para que o vernáculo fosse "errado", teria de existir também uma forma "certa" de falar; mas no Brasil não se fala, nem se pode falar português. Imagine o seu companheiro de estádio de futebol dizendo: Empreste-lo um minuto. Ou então uma mocinha dizendo para a melhor amiga: Se eu vir amanhã, devolver-lhe-ei estas velhas fitas de vídeo. É evidente que essas pessoas ficariam, no mínimo, com fama de pedantes. As duas línguas do Brasil têm cada uma seu domínio próprio e, na prática, não interferem uma na outra. O vernáculo se usa em geral na fala informal e em certos textos, como em peças de teatro, onde o realismo é importante; já o português é usado na escrita formal, e só se fala mesmo em situações engravatadas como discursos de formatura ou de posse em cargos públicos. Assim, o "certo" (isto é, aceito pelas convenções sociais) é escrever português e falar vernáculo. Não pode haver troca: é "errado" escrever vernáculo e é também "errado" falar português. Não sei se gosto dessa situação; mas é um fato arraigado em nossa cultura e temos de conviver com ele. E por isso mesmo há neste site um link que disciplina o Português. Agora, uma observação: o vernáculo é a língua materna de mais de cento e cinqüenta milhões de pessoas, que o utilizam constantemente e não conhecem outra língua. Mas não se escreve a não ser em ocasiões particulares, não aparece na grande imprensa e não tem grande tradição literária: além disso, não é reconhecido como língua oficial. Isso faz do vernáculo uma língua ágrafa, como as que examinamos na primeira parte deste ensaio. Não só isso, mas com toda probabilidade a maior língua ágrafa do mundo. Já houve tentativas, ou pelo menos sugestões, de que se passasse a escrever em vernáculo no Brasil. Mário de Andrade passou vários anos escrevendo uma gramatiquinha da fala brasileira, que nunca chegou a publicar, e que concebia como "parte de um projeto mais amplo, de redescoberta e definição do Brasil" (Edith Pimentel Pinto, em sua edição da gramatiquinha). Como se sabe, Mário utilizava uma linguagem muito mais próxima do vernáculo do que o português escrito atual. Como disse ele: "Não pensem que vou defender Portugal e me tornar simpático pros portugas nacionalistas não." No entanto, isso não vingou, pelo menos até o momento. Continuamos a escrever o vernáculo uma maneira errada de falar. Pessoalmente, não tenho grandes objeções quanto a se escrever português; mas acho importante que se entenda que ele é (pelo menos no Brasil) apenas uma língua escrita. Nossa língua materna não é o português, é o vernáculo brasileiro --- isso não é um slogan, nem posição política; é o simples reconhecimento de um fato. Assim, não se cogita de substituir o português pelo vernáculo na escrita. Mas, nos últimos anos, tem havido um aumento notável de interesse pelo vernáculo como língua a ser estudada. Existem grupos de lingüísticas que vem realizando um trabalho muito interessante de descrição de estrutura do vernáculo. Há esperanças, portanto, de que, dentro de alguns anos, se possa dispor de gramáticas adequadas da nossa língua materna, por tanto tempo ignorada, negada e desprezada.
----------------------- Por : Mário A. Perini - In AntiMoon.com

O Português Está A Desaparecer Em Macau

Nascido em uma família de nobres e ricos comerciantes portugueses, Rui Rocha vive há quase duas décadas em Macau em uma mansão no estilo oitocentista português construída em 1885. "Falar português em Macau não dá mais o status de antes" A mansão, conhecida como Casa Garden, abriga também a Fundação Oriente, uma instituição privada que luta pela preservação da língua de Camões na região. A casa parece uma ilha onde a cultura, a arquitetura e a língua de Portugal sobrevivem em meio à crescente influência da China, que recebeu o território de volta do governo português em dezembro de 1999. Nesta entrevista, Rui Rocha diz que Portugal sempre desprezou Macau e que, apesar dos 450 anos de colonização, o país nunca se esforçou pela preservação do português, que corre agora o risco de desaparecer na antiga colônia. BBC Brasil - O português ainda é língua oficial em Macau, mas é quase impossível achar alguém que fale português nas ruas. Por quê? Rui Rocha - Na verdade, o português só foi realmente importante por aqui nos séculos XVI e XVII, quando era a língua franca da Ásia. Depois disso, a presença portuguesa nunca foi superior a 5% da população de Macau e apenas uma pequena parcela da população chinesa falava o português. Mas o que se vê, desde 1993, é uma redução ainda maior do papel do português em Macau, com exceção da administração pública que ainda incentiva o estudo e o uso do português ao lado do chinês. A devolução da soberania para a República Popular da China provocou um êxodo dos portugueses que aqui viviam, muitos foram integrados à administração pública portuguesa. Além disso, os macauenses que falam o português perderam o papel de destaque que tinham na sociedade. BBC Brasil - Por que perderam o papel de destaque? Rui Rocha - Porque durante o domínio de Portugal, o português era a língua da administração pública. Era um sinal de status falar o português, as portas do serviço público se abriam para os cidadãos macauenses bilíngües, que serviam como ponte entre os portugueses e os locais. Hoje, o chinês, uma variante do cantonês, é a língua da administração pública e esses cidadãos macaenses bilingües perderam muito do prestígio que tinham. BBC Brasil - Eu acabei de chegar de Hong Kong e, lá, é muito fácil encontrar pessoas que falem inglês. O que explica a diferença entre Hong Kong e Macau? Rui Rocha - A partir dos anos 70, a escola modelo em Hong Kong passou a ser a anglo-chinesa. O chinês era disciplina obrigatória, mas o inglês é que era a língua de ensino na escola. Com isso, o inglês foi ensinado à população desde cedo. Em Macau, tivemos também uma escola luso-chinesa, mas nunca foi a escola padrão. 97% das escolas de Macau são privadas e têm planos curriculares completamente diferentes dos das escolas oficiais portuguesas. Se você não ensina desde cedo, fica muito mais difícil depois. BBC Brasil - Por que quando mandavam aqui os portugueses não seguiram o exemplo de Hong Kong e tornaram o português obrigatório nas escolas? Rui Rocha - Por várias razões. Uma delas é a distância. Minha mãe demorava 40 dias e 40 noites de barco para vir para cá na década de 30. Mas há também questões políticas e diplomáticas. Portugal nunca apostou na Ásia, apostou no Brasil e na África. Muita gente em Portugal não sabe onde fica Macau. Macau nunca foi uma prioridade política e diplomática portuguesa. Além disso, houve sempre uma grande cautela em nunca impor o português nas escolas chinesas. Havia uma certa fragilidade nas relações entre os portugueses e os chineses daqui e, conseqüentemente, um receio de que uma imposição desse nível abalasse essa relação. BBC Brasil - Devemos considerar também que o português é uma língua comercialmente menos importante do que o inglês. Será que os macauenses teriam algum benefício aprendendo o português? Rui Rocha - Esse tema desperta opiniões diferentes, mas a minha visão é de que sim, os macaenses se beneficiariam se falassem o português. Hong Kong é a porta para o mundo anglo-saxão, da Commonwealth. A língua portuguesa seria a porta para o mundo latino, para a América Latina, para a África de línguas oficiais latinas, para a Europa latina. São mercados importantes que não deveriam ser ignorados. Em uma china de mais de um bilhão de habitantes, essa seria uma forma de Macau se destacar do resto do país. BBC Brasil - Se essa estratégia é boa, por que não convence os políticos de Macau? Rui Rocha - Curiosamente, essa idéia convence os políticos da China, mas não os de Macau. Tenho um exemplo: todos os anos, a Universidade de Macau promove um curso de verão de português. Em regra, esse curso tem 150 alunos. Desse total, cerca de 50% vêm da República Popular da China. De Macau, vêm apenas dois ou três. Portanto, a China reconhece a importância da língua portuguesa como uma das mais faladas no mundo, Macau não. Em Sichuan, que é a maior província da China, com cerca de 180 milhões de habitantes, há um centro de intercâmbio para a área de saúde que escolheu a língua portuguesa como língua de cooperação. Poderiam ter escolhido o inglês, o francês, mas escolheram o português que representava um mundo lusófono com o qual tinham interesse em estreitar relações. BBC Brasil - Será que essa resistência em Macau ao português não tem a ver com um certo ressentimento por causa dos séculos de dominação colonial? Rui Rocha - Esse é, sem dúvida, um fenômeno importante. Afinal, foram 450 anos de dominação colonial. O português nunca foi a língua materna dessa gente, foi a língua paterna, do colonizador. Mas além disso, a elite intelectual de Macau é, de uma certa maneira, de nível escolar. Não tem visão, há um certo paroquialismo na inteligentsia de Macau. BBC Brasil - A devolução de Macau para a China dificultou o trabalho de pessoas como o senhor, que tentam preservar o português na ilha? Rui Rocha - Por incrível que pareça, Portugal teve uma oportunidade sem igual de fortalecer o português aqui no processo de devolução. Foi em 1993, quando a China aprovou a Lei Básica de Macau, que é hoje a Constituição de Macau. Nesse momento, o governo chinês e não o português declara que a língua portuguesa também é a língua oficial de Macau. O governo português de Macau deveria ter tido a preocupação de seguir essa orientação da Lei Básica e impor nas escolas portuguesas o português como a língua oficial, bem como o ensino obrigatório do chinês nas escolas oficiais portuguesas. BBC Brasil - E o que o governo português fez? Rui Rocha - Não quis incomodar as comunidades chinesas, não teve coragem política de correr esse risco e acabou fazendo isso de uma forma pouco sensata, utilizando as instituições de ensino superior oficiais para impor o português como se isso fosse resolver todos os problemas do bilingüismo em Macau. Não resolveu por uma razão simples: não se constrói uma política lingüística pelo telhado da casa, mas sim pelas fundações, ou seja, pelo ensino primário. BBC Brasil - Será que o português vai desaparecer de Macau? Rui Rocha - Ascensão e queda das línguas Quem poderia prever que o latim ia desaparecer. O Aramaico também desapareceu. Em Macau, há bolsas de resistência da língua que vêm não apenas dos portugueses que permanecem em Macau, mas também de chineses que querem que Macau seja diferente do resto da China. Existe um patrimônio histórico e cultural aqui muito importante. Macau pode virar patrimônio mundial pela Unesco. Mas esse patrimônio não pode ser apenas de fachada e, infelizmente, existe o risco de o português só ser falado por um pequeno grupo. Fico muito frustrado com o abandono de Macau. Não interessa que o discurso da banalidade diga que Macau é uma sociedade multicultural. O português está nas placas, nos prédios, mas essa fachada de nada serve se ninguém entende o português. O português é como, tal qual na física quântica, aquela pequena diferença que pode fazer toda a diferença de Macau dentro da China.
----------------------- Entrevista a Rui Rocha conduzida por Silvia Salek - In BBC Brasil